DO ENCANTO AO DINHEIRO

Lá estava, olhando desesperadamente aquela fria e invariável imagem refletida pelo espelho, sim, era ele, seus traços naturais, as rugas e os cabelos brancos, mas o que lhe angustiava não era a velhice, uma vez que Pedro era admirador da natureza das coisas, e, sim, a ausência de sentido em sua existência.

Desde jovem, sempre fora um indivíduo aplicado, por isso, teve alguns sonhos realizados, outros perdidos; contudo, com o amadurecer, não conseguia encontrar um fim no sonhar, já tinha tentado de tudo na busca de sentido, recorreu a várias crenças, estudou diversas filosofias; mas a maldita imagem fria do espelho ainda estava lá. Outrora, em sua juventude, o fervor da existência despreocupada o fazia esquecer de todo o sentido das ações; viver intensamente era, sobretudo, a máxima de sua vida, mas com o passar dos anos, desenvolveu uma extrema mentalidade prática, devido, principalmente, ao seu ofício de engenheiro.

Ele se tornou um metodologista exemplar, quase tudo em sua vida era extremamente organizado e bem distribuído, sabia minuciosamente seu horário diário, suas dívidas e suas rendas. Esse modo de viver, excessivamente metodológico, era sacrificante, porém, lhe rendeu bons frutos, haja vista vivia muito bem financeiramente. Contudo, sua vida pessoal tinha se tornado um grande desastre, tal situação era fruto da extrema importância que ele dava ao trabalho o fazia desprezar as pessoas ao seu redor, a família se tornou distante dele, sua mãe falecera quando esse era muito jovem, já seu pai vivia em outro estado com sua meia-irmã, e ele pouco ia visitar os parentes, uma vez que não gostava de abandonar sua rotina. No que concerne as paixões, ele tinha profunda adimiração pelas mulheres, sim, ele adorava todos os tipos, as jovens, as mais velhas, as negras, as loiras e as ruivas; no entanto, nunca conseguiu manter um relacionamento estável, sempre a mesma coisa, os primeiros meses são perfeitos, contudo, ao passar do tempo, ele logo perde o interesse nas mulheres que pensava amar, por isso, aos poucos, tornava-se indiferente, quando finalmente chegava ao ponto do relacionamento não se sustentar.

Sim, Pedro é como parte dos homens pós-modernos, seres em que as vidas podem serem detalhadas facilmente, devido a superficialidade de suas relações, seu extremo empenho ao trabalho e a hipervalorização da acumulação de bens. Mas o preço desse modo de viver estava aumentando cada vez mais, a imagem no espelho tornava-se cada vez mais gélida, mais solitária, tão rígida como uma prata bem polida; a ausência de significação estava cada vez mais cruel.

Nessa manhã especialmente, ele estava ali, não conseguia sair de frente daquele maldito espelho, passou 30 minutos naquela coisa indescritível, não conseguiu perceber se era mesmo um homem ou uma simples máquina, então, lembrou-se de uma obra, Memórias Póstumas de Brás Cubas. “Sim! Sim! Eu vivo tal qual a apatia do velho Brás”—Pensou abismado, chegou a uma conclusão: “ Não sou um defunto, tão pouco vivo apaticamente, somente não vivo, para morrer tem que primeiro viver, eu já não faço isso, não sei o que é viver, faço tudo maquinalmente, sou egoísta suficientemente para não ser levado pela vida, eu fiz meus caminhos, e que tristes caminhos, não sei como consegui me habituar a isso, preciso mudar completamente minha vida”—pensava de maneira entusiasmada. ” Mudarei, já tenho um bom e sólido patrimônio, buscarei, sobretudo, uma vida feliz com os que estão ao meu entorno, quem sabe até consiga amar verdadeiramente uma mulher”. Aquele pensar lhe fazia completamente feliz, finalmente ele sentia o calor que outrora sentiu na juventude, olhou para o espelho e não via mais a prata, mas, sim, a carne pulsante em busca de vida.

Após essa reflexão, vestiu-se e foi para o trabalho feliz consigo mesmo, no entanto, pouco depois que chegou ao destino, esqueceu de tudo, uma vez que aceitou uma proposta para realizar um projeto que lhe daria muito dinheiro, mas isso custaria grande parte das horas do seu dia, sobrando pouquíssimo tempo para outras atividades. Ou seja, a mudança ficou para depois, a vida ficou para outro momento.