Dia de Chuva

Essa é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, situações da vida real terá sido mera coincidência.

Olha na janela entreaberta que insistente sacudir sua lataria a força impetuosa do vento que sopra constante do lado oposto ao seu. A chuva cai, cobrindo todo cenário com garoa finíssima, tornando brancas as mais altas colinas, lavando as roupas já enxutas no varal, encharcando os tênis rebeldes de caminheiros das enxurradas. Água que sacia a terra, resposta às orações do agricultor a espera do germinar da semente. Ela desfaz a esperança dos mais humildes amantes. Daqueles que fazem o trajeto a caminhar de suas casas até a praça central, agora iluminada por luzes multicoloridas em concordância com as festividades de encerramento do ano. Não praguejava a bênção necessária dos céus, mas se não fosse sua presença lá estaria, ocupando um dos bancos de concreto espalhados pelo jardim florido. Seus olhos travessos inquietos não suportariam respeitar os limites do coração. Olharia por entre suas frestas, outros corpos, outras coxas, outros traseiros, outros bustos. Mas nenhum deles, por mais roliço e permissivo que fosse poderia suprir-lhe a necessidade de ver aquela que o fez estar ali. Ainda que seu corpo não fosse tão definido quanto das outras moças, ainda que seus cabelos carecessem o brilho da hidratação constante, ainda que sua voz não fosse aveludada... Ela era seu motivo, sua razão, seu existir...Por ela mergulhou em outros olhares, imaginou o secreto de outros corpos, desvendou o limite denso entre amor e paixão, fidelidade e oportunidade.. Hoje não a veria passar. Bancos molhados, praça deserta, luzes solitárias. A ausência dos corpos que causavam-lhe deleite na curta longa espera... As flores e a grama brilharão, mas ninguém verá ou ouvirá a festa silenciosa da flora ao receber seu amado. Ao encostar a janela suspira sentando-se na velha cadeira de balanço. O vento contra a veneziana é seu companheiro. Adormece ao pensar em sua amada, mas seus sonhos são dominados por outras tantas.