Cada um conhece sua dor

No limiar daquela tarde chuvosa e fria, Antonio ergueu-se do sofá e se pôs a olhar a chuva de sua janela. Nos minutos intermitentes que se seguiram um som sorrateiro de apito cortou o silêncio, uma chaleira com agua quente denunciava que era hora de fazer seu café.

Minutos após com uma Xícara quase cheia de café, voltou a aproximar-se da janela, o olhar quase esvaído como se fosse observar e esperar por algo que nunca chegaria. A chuva havia diminuído, mas o frio só aumentava.

O vapor quente do café embaçou o vidro parcialmente, nele, Antonio escreveu as iniciais de um nome M. P. G. ...

E sempre quando via as lágrimas tomarem seu rosto se lembrava que ninguém o observava, então chorava por horas e horas...

Duas décadas antes, ele trabalhava numa empresa de energia conveniada ao governo, não tinha muito estudo, mas tinha muito conhecimento do que fazia. Apesar de tudo sua vida era muito regrada ao álcool, encontro até altas horas com amigos de bar. Em detrimento a isso sua família definhava, problemas internos que sua esposa tinha que sanar, ele chegando quase todo dia bêbado em casa, brigas intermináveis, faltas no trabalho, demissões...

Anos mais tarde, Antonio chegou em casa por volta das 11 da noite, a porta estava aberta e uma carta sobre a mesa denunciava que sua esposa o abandonara, ela havia partido para a companhia dos pais, levando os dois filhos.

Sem se dar conta devido sua embriagues, Antonio só conseguiu encontrar um colchão no chão, chegou pois a pensar:

-Onde está minha cama? Minha tv? onde estão todos?

Na manhã do dia seguinte releu a carta e lágrimas involuntárias ganharam seu rosto, enfim saiu para mais um dia estafante de trabalho.

Ao longo de seis meses esperou pelo regresso da esposa, o que nunca ocorreu, depois disso entregou a casa e foi morar num quarto em sua antiga casa. Na solidão premente das noites escuras ele chorava, deixava de alimentar-se e se entregava as bebidas.

Companhia apenas de um cão fiel repleto de pulgas e carrapatos.

Com o tempo, graças a ajuda de parentes e um bom amigo conseguiu restabelecer-se, mas nunca mais viu sua esposa, seus filhos muito raramente o visitavam, tinha poucos parentes que lhe davam algum crédito, mas passava a maioria do seu tempo após sua aposentadoria em sua casa, a decantar uma amargura sem medida. Em dias quentes ou frios era visto na rua, varrendo as calçadas e dando bala pra garotada. Havia organizado um time de futebol pra gurizada do bairro há meses atrás. Eles treinavam toda semana na quadra da escola. Logo iriam participar de um campeonato municipal, por isso ele comprou uniformes para a garotada e um par de bolas.

Apesar do apego com a garotada, a noite ele sempre voltava sozinho pra sua casa, lembranças tristes o tomavam cada vez que subia a escada, cada um conhece sua dor, seu medo e suas falhas e a tristeza de chegar em casa e não encontrar ninguém...

Mas num dia desses pela manhã, as crianças deram falta dele, logo descobriram que ele enfim havia partido sem dizer adeus.

No seu enterro seus filhos compareceram junto a ex esposa, as crianças cantaram juntas uma cantiga que cantavam quando estavam com ele, em treinamento. Uma brisa fria pairava pelo ar, os meninos choravam juntos, seus filhos apenas observavam a distância...

********** Fim *********

Mario B Duran
Enviado por Mario B Duran em 05/12/2019
Código do texto: T6811577
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