Nossa, nossa...

Foi só uma coisa que aconteceu na loja onde eu trabalho... eu estava sentado no escritório quando, sem querer (não vão pensar que eu fico escutando as conversas alheias), ouvi quando uma das moças, que estava de férias (acho que era da limpeza, ou do estoque, não reconheci a voz) cumprimentar alegremente uma colega que estava voltando de férias. Aí, uma terceira funcionária (que eu não consegui identificar), exclamou assim:

- Nossa... nossa, que felicidade!

Aí, uma outra pessoa, provavelmente uma das vendedoras, escutou a parte do "Nossa...nossa..." e completou com uma risadinha:

- Assim você me mata!

Podia ter parado por aí, mas não foi o que aconteceu: um dos garotos do estoque, que estava passando por ali na hora (na verdade nem era para ele estar ali naquele dia, era sua folga, mas ele veio pra cobrir um colega que tinha quebrado o braço no final de semana, quando caiu de uma escada onde tinha subido pra apanhar jabuticaba no sítio de um vizinho que era muito amigo dos pais dele) seguiu cantando:

- Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego!

Até esses momentos as coisas estavam acontecendo muito rápido, mas a partir daqui começaram a acontecer mais rápido ainda. Ouvi uns murmurinhos, umas risadinhas, e alguém (provavelmente algum dos clientes - a loja estava mais ou menos cheia), prosseguiu:

- Delícia, delícia, assim você me mata!

Quando eu me dei por mim, já havia um pequeno coral, a princípio tímido, dando continuidade:

- Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego.

Houve alguns instantes de um silêncio meio constrangido, até que eu ouvi uma porta se abrir com tudo no andar de cima (até hoje eu me pergunto se foi o gerente que fez isso) e soltarem em alto e bom som:

- Sábado na balada, a galera começou a dançar!

Olha, eu confesso que até conhecia o comecinho dessa música (quem não?), mas pelo jeito era só eu, pois cada vez mais vozes foram se juntando ao coro:

- E passou a menina mais linda!

A essa altura eu já estava apavorado. Tranquei a porta com a chave (duas voltas na fechadura. Não sou paranóico, gente, mas o que vocês fariam no meu lugar?) e me escondi embaixo da mesa. Lá fora, a cantoria continuava:

- Tomei coragem e comecei a falar!

Era sinistro! Pareciam haver cada vez mais vozes se juntando as iniciais, que a essa altura estavam imperceptíveis entre dezenas de outras.

- Nossa, nossa, assim você me mata. Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego.

Enquanto estava sob a mesa, não pude deixar de reparar num chiclete, já petrificado, que algum porcalhão tinha colado por debaixo dela ao invés de enrolar num pedacinho de papel (higiênico, toalha, guardanapo ou A4 mesmo) e jogar no lixo. Uma vez eu li que é importante enrolar chicletes mastigados num papelzinho antes de jogar fora pois se algum passarinho tentar ingerir, pode acabar morto - tinha até uma triste imagem disso no mesmo lugar onde eu tinha lido, que não lembro onde foi. Uma judiação...

- Delícia, delícia, assim você me mata...

Não foi exatamente assim que aconteceu, claro, além de ser impossível lembrar de todos os detalhes, aposto que se fosse outra pessoa contando a mesma história mas do ponto de vista dela, seria outra coisa, mas foi basicamente isso. Eu acho que o pessoal que estava cantando na hora se confundiu em alguns momentos com a letra da música, mas, sei lá, eu mesmo tive que pesquisar a letra na Internet pra poder escrever isso certinho. Na hora, lá, não tinha Google não, era na raça!

- Ai seu eu te pego, ai ai se eu te pego!

FIM

Betaldi
Enviado por Betaldi em 30/09/2019
Código do texto: T6757429
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.