DEZ SEMANAS MENOS MEIA

Aldegundes, após sair da box e limpar o vapor de água que cobria o espelho, mirou-se, fez algumas poses e gostou do que viu. Aquela barriguinha e peito peludos até lhe davam um ar de graça, as mulheres olhavam-no com algum interesse (julgava) quando na praia passava à frente da esplanada apinhada de gente. Isso enchia-o de orgulho, sem excessiva vaidade.

Era pasteleiro e ganhava bem, pois na confeitaria reconheciam o seu talento na arte de fazer bolos e outras doçarias. O seu maior pecado era ter coração de passarinho, apaixonava-se facilmente.

Há tempos que andava de olho numa vizinha, a Alzira, baixinha, redondinha, mãos e pernas gorduchas e um rosto oval, bonito, sardento, picante. Achava-a muito atrativa e imaginava-se com ela quer em situações calmas, quer noutras mais turbulentas, entre lençóis.

Ele bem se metia com ela, enviava-lhe uns piropos sem gosto nem graça, até lhe parecia que Alzira sorria deliciada. Insistia, mas ela não lhe dava troco.

Um dia, entrou numa cafetaria e viu-a sentada à mesa. Armou o seu melhor sorriso e petulante, puxou uma cadeira, sentou-se e meteu conversa. Ela olhou-o e depois logo lhe pediu para se levantar e ir embora rápido, pois seu namorado estava quase a chegar…

Grande balde de água fria…

Apesar de tudo Aldegundes não desarmou, logo teria outra flausina sorrindo para ele.

No dia seguinte, na fila para o autocarro, as pessoas apinhavam-se para entrar no veículo, pois iam todos na mesma direção. Sem querer, viu-se apertado entre duas corpulentas senhoras, a mais alta quase lhe espremia o rosto entre os seios, a outra foi empurrada pelo magote e o desequilíbrio fê-la abraçá-lo para não cair, acabando por lhe puxar as calças para baixo. Aldegundes, atrapalhado, bem tentou segurá-las, mas a senhora não as largou e ele acabou mesmo expondo a sua sunga às bolinhas azuis, perante o riso geral. Acabrunhado, logo fugiu dali, entrando no privado de uma loja e compondo as calças.

Homem que é homem nunca desarma e assim sendo, preparou-se para outra aventura, procurando alguém atraente e que pudesse interessar-se por ele.

Dias mais tarde voltou a encontrar a Alzira, desta vez no supermercado. Infelizmente não estava sozinha, ao lado dela caminhava, empurrando o carro de compras, um latagão com mais de um metro e noventa e cento e vinte quilos mal-encarados. Aldegundes ia a meio caminho para se meter com ela, mas fez marcha-atrás e saiu de fininho pois o homem, para além daquele ar de boxeur profissional, já o tinha mirado, fazendo-o transpirar um rio pelas costas abaixo.

Chegou à conclusão que era melhor mudar mesmo de foco e procurar outra.

Dias depois, num final de tarde fria, quando descia as escadas do prédio onde morava para pegar ao trabalho, cruzou-se com uma idosa senhora, sorridente e que o cumprimentou com afeto.

Ele retribuiu o gesto e dois dias depois, essa respeitável vizinha, que se chamava Genoveva - tinha-se mudado muito recentemente, daí ele não a conhecer - bateu-lhe à porta, convidando-o para tomar um chá.

Como não conhecia ninguém naquela nova morada, ela disse-lhe que achou ser um bom início de conhecimento. Conversavam animadamente e tornaram-se amigos.

Ele passou a ser visita frequente. Uma coisa desagradava a Aldegundes: Genoveva ligava sempre a lareira e a sala, de porta fechada, ficava muito quente, um autêntico forno, fazendo-o transpirar muito.

Mais para diante, num final de dia, a idosa vizinha pegou num velho álbum de fotos e sentando-se junto dele, começou a folheá-lo. Genoveva explicou que na juventude sempre tinha sido rebelde e aventureira, fora corista em espetáculos de cabaré. E foi virando as páginas, mostrando-lhe fotos que progressivamente se tornaram mais atrevidas, nus artísticos, poses bem sensuais, algumas até demasiado explícitas.

Aldegundes, muito corado, transpirava, quer pelo calor, quer pela proximidade dos corpos, sentindo-se algo constrangido. Por sua vez Genoveva, mais atrevida, acariciava-lhe as mãos, pegou numa e pousou-a no seu peito opulento, arfando. Sussurrou-lhe que há algum tempo pensava nele e tinha sonhos endiabrados...

Às tantas, Aldegundes sentiu as mãos dela a percorrerem-lhe o peito peludo, apertou-lhe uma coxa, depois pegou-lhe no rosto e tascou um beijo na boca… Ele recuou, mas a companheira de sofá estava decidida e tanto avançou que quase ficou em cima dele... Respirando com dificuldade, Aldegundes acabou por ceder…

O relacionamento aprofundou-se, a intimidade avançou a galope, muitas vezes ele dormiu em casa dela e vice-versa. Aldegundes fazia os possíveis para ignorar a dentadura postiça que Genoveva, ao deitar, colocava num copo, na mesa de cabeceira, junto à cama.

De uma das vezes, após um penoso e infrutífero ato sexual e na sequência duma pequena discussão, Genoveva pareceu não dar acordo de si. Aflito, ele abanou-a várias vezes, o pesado corpo parecia não reanimar. Aldegundes por fim começou a chorar, aflito, prometeu-lhe tudo e mais alguma coisa e ela, então, abriu os olhos e disse-lhe que se jurasse nunca a abandonar, lhe daria um bom pecúlio, que lhe garantiria um bom futuro. Ele acabou por aceitar, embora protestando pois não estava com ela por interesse, mentiu dizendo que gostava mesmo dela.

E assim viveram quase dez semanas, com companheirismo e amor, sendo o empenho muito maior por parte de Genoveva. Ela experimentou tudo para o seduzir, lingerie provocante, apetrechos que, dissimulada, comprou numa sex shop, a tudo se prestou por amor mas Aldegundes pouco interesse manifestava.

Ele começou a ficar deprimido pois embora não lhe faltasse dinheiro, quando voltara a cruzar-se com Alzira, parecera-lhe que ela lhe piscara o olho e então a frustração vinha toda ao de cima.

Alzira via-o bem vestido, decerto sabia da boa condição dele.

Um dia, seguiu-a e em zona erma, segurou-lhe um braço e perguntou-lhe se queria largar o outro e namorar só com ele. De repente, sentiu como que uma explosão na cabeça e antes de cair para o chão, desfalecido, vislumbrou o corpanzil do namorado dela, sentindo depois violentas e dolorosas pancadas, até que apagou.

Esteve internado no hospital durante quase uma semana, todo partido, e entretanto, quando teve alta, informaram-no na secretaria que ninguém tinha pago a sua conta de internamento. Foi a uma caixa ATM e verificou que a conta bancária estava bloqueada.

A polícia não o deixou abandonar o hospital sem pagar a conta e como não tinha recursos, foi detido. Então percebeu que a velhota soubera do caso e fechara-lhe a torneira…

Passaram-se alguns dias, ele, desgostoso, abandonado pela amante, teve uma boa notícia: Alzira tivera pena dele e às escondidas do namorado, pagou-lhe a conta e depois de lhe aconselhar juízo, deu-lhe um leve beijo na face, que lhe pareceu celestial e o fez sonhar.

Nesse dia, ainda meio baralhado, saiu para apanhar ar fresco e caminhou sem rumo.

Quase ao final de tarde, depois de já ter gasto boa parte das solas dos sapatos nessa caminhada inconsequente, na zona central da cidade, viu à distância uma vistosa morena, alta e muito bem vestida, trés chique.

Maravilhado com o que viu, ajeitou o cabelo, encolheu a barriga e iniciou a travessia da rua, mas um carro quase o colheu. Na sequência, foi ao chão e algumas das suas costelas partidas queixaram-se, ainda tinha o corpo dorido e então percebeu que tão cedo não estaria em condições de assumir-se um D. Juan.

Esqueceu a vamp e seguiu caminho, acabrunhado, esperando por melhores dias.

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 17/09/2019
Código do texto: T6746919
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.