Há beleza no mundo, onde geralmente menos procuramos
Eu estava no meu caminho para a escola e minha sandália quebrou. Quando eu abaixei, zangada, meu celular escapou do bolso da mochila e se quebrou. Fiquei mais nervosa ainda e comecei a chorar. Ah, merda, a maquiagem! Sentei no meio fio para pensar o que fazer. Limpei o rosto e decidi ir mesmo assim para escola, era aniversário de namoro e minha namorada ficaria muito, muito zangada se eu não aparecesse lá.
Continuei a andar e quando chego na porta da escola, o destino sorriu mais uma vez. No caso de mim. Eu esqueci o uniforme e eles não me deixaram entrar. Descalça então, menos. Tentei explicar, não quiseram ouvir. Pedi pra ligarem pra mamãe mas ela estava no trabalho, não iria atender. O que eu poderia fazer? Pensei, não muito racional, pois a revolta tomava conta de mim. Procurei uma sombra. Sentei-me e esperei pelo término das aulas. Eu não tinha celular mais, eu não tinha sandália e me sentia nua sem a maquiagem. Estava tão desconfortável... Entediada. Fiquei olhando pra baixo, olhando pros meus pés. Eu não tinha feito as unhas. Parecia que eu era um ser em estado deplorável. Depois de algumas horas, o sinal bateu e eu fui ao meio dos alunos procurar minha namorada, ela deveria estar muito decepcionada comigo. A encontrei e fui atrás dela, ela chorava. Seu amigo me barrou antes que eu chegasse até ela e me entregou sua aliança, fazendo sinal negativo com a cabeça. Ergui os braços em protesto, afirmando que sumir não foi culpa minha. Ele saiu antes que eu pudesse me explicar. Eu chorei, chorei muito. Fui chorando até a praia, me sentei na beira da água. Eu olhei para a areia nos meus pés. Nunca tinha caminhado descalça na areia da praia. Na verdade eu detestava a praia, eu não ia há vários meses, nem me lembrava da última vez. Ela detestava praia, então parei de ir. Mas eu detestava mesmo? Eu não sabia mais. Decidi procurar me lembrar. Minha mãe não estava em casa e eu estava sem celular mesmo. Larguei a bolsa e fui caminhando até a água salgada, quando ela tocou meus pés, delicadamente e eu senti os meus pés ficarem mornos, massageados pelas ondas. Relaxados. Se era bom nos pés, deveria ser bom em todo o corpo, então eu fui entrando e me joguei contra a maré. Eu olhei para cima. O céu era claro, o sol nítido brilhando, algumas nuvens nos céus pareciam alguma coisa engraçada e eu ri. Como as nuvens podem ser engraçadas? Eu nunca tinha nem reparado e isso era curioso também. Por que eu não reparava? Por que eu nunca tinha entrado na praia descalça ou deitado o corpo na água rasa como eu fazia agora? E estava estragando meu penteado mas eu não me importava. Era como se a parte de mim que se importava tivesse ido, quando eu perdi tudo que eu julgava importante e que me faria feliz. E sabe o que era mais louco? Eu nunca fui feliz. Por que eu estava ocupada demais olhando pra baixo, a tela do celular o tempo todo, eu não vi o céu e a sua graça. Por que eu me importava demais com minha maquiagem, meu cabelo, minhas unhas e até a sola do meu pé (o que as pessoas iriam achar de uma menina com a sola do pé grossa?). Por que eu me importava tanto em não magoar minha namorada que eu não ia aos lugares que ela não gostava. Mas ela não se esforçava assim por mim. Na verdade ela era bem egoísta, agora eu percebia. E enquanto eu pensava, feliz por ter perdido minha “antiga vida” por aquele momento, uma sombra se fez em cima do meu rosto e antes que eu pudesse me dar conta, eu senti a lambida. Me levantei assustada e me deparei com um cachorro caramelo, já molhado, pulando ao meu redor e me lambendo. Sorri e disse: “Oi pra você também, amigo”, passando a mão pelo seu pêlo. Escutei passos apressados e vi uma garota alta, molhada também, os cabelos soltos desgrenhados, sem maquiagem nem sapatos, só um pequeno short e uma camiseta. Ela veio correndo em nossa direção. “Bobby, seu cãozinho intrometido!”. Sorri e respondi, para o Bobby: “Eu gostei da sua intromissão, Bobby”. Ela ouviu e sorriu de volta. Bobby pulou nela, quando ela estava bem de frente a mim. Ela riu. Por que eu nunca tive um cachorro? Por que tudo que um cachorro me lembrava era bagunça. Quem iria querer ter um cachorro? Bom, agora eu queria. A menina saiu correndo em direção a água e Bobby seguiu, então ela voltou e pegou algo na areia, há uns metros de mim. Era um frisbee. Fiquei olhando enquanto ela jogava o frisbee e o cãozinho caramelo buscava. Ela sorria bastante. Enquanto eu observava, admirando como aquela cena era bonita, fui surpreendida pela terceira ou quarta vez que Bobby buscou o frisbee. Ele o trouxe pra mim. Fiquei sem saber como reagir, eu não queria me intrometer, mas então a garota disse: “joga!” Eu sorri de volta e joguei. E ali ficamos, jogando o frisbee até Bobby ficar cansado. Me sentei de volta e fiquei, já que agora eles iriam embora. A garota estava arrumando sua mochila no chão. De repente, ela se aproximou e me perguntou se eu queria ir tomar um sorvete com eles. Fiquei contente em aceitar. E fiquei curiosa com o fato dela estar ali descalça, ela não calçou nada pra ir pra sorveteria. Perguntei, cautelosa. E então eu entendi tudo que havia acontecido esse dia. Ela disse que ela não se importava com as sandálias, por que o chão que ela sentia sob seus pés, fazia ela se sentir melhor do que uma bobagem como não engrossar a sola ou estragar as unhas feitas. Ela se sentia parte do mundo. “E há beleza no mundo, onde geralmente menos procuramos. Bom, eu decidi procurar.“