VOU FALAR COM MINHA MULHER.
Gualberto entrou no shopping Eldorado. A lotérica do local ficava aberta até dezenove horas. Ideal pra fazer uma fézinha na mega sena acumulada. -" Loja nova de móveis?!?! Bonita mesmo!!!!" O homem quarentão, de tênis Adidas e camiseta do Nirvana, sentiu-se atraído pelo visual e beleza dos produtos. O som ambiente de Dire Straits e os sorrisos das vendedoras foram como imã o impulsionando pra dentro da loja. -" Boa noite, senhor!!! Seja bem vindo!!!!" Disse a vendedora, gentilmente. Gualberto estava admirado com tanta beleza. -" Boa noite! Obrigado, moça." A vendedora o acompanhou. -" Fique a vontade. Sou a Josi. Se precisar, me chame!! Qual o nome do senhor??!??!" Ele disse seu nome e acrescentou que só ia dar uma olhada. -" Gualberto. Só vou olhar!!!" A vendedora sorriu e se afastou. A recém inaugurada loja estava tomada de curiosos. Gualberto sentou-se num sofá. O corpo afundou no móvel de tecido macio e retrátil. Olhou bem o cartaz com o preço de mil e duzentos reais. Ele ficou sem jeito e resolveu passear pelo local. Cozinhas planejadas belíssimas iguais as vistas nas novelas da tevê. Coifas e armários embutidos. Mesas de centro, banquetas, lustres, camas king size, closet, arandelas, aparador e uma infinidade de produtos pra casa. Gualberto voltou ao sofá. Passou a mão pelo tecido fino e macio. A vendedora se aproximou. -" Com licença. O senhor gostou muito desse sofá! Tem muito bom gosto!!!!" Gualberto sorriu. Olhou o cartaz com o preço de mil e duzentos reais. Admirou o fato da vendedora lembrar seu nome após quinze minutos. Ela estava certa. -" Sim!! É muito bonito!!!!" A vendedora abriu um catálogo. -" É um sofá para bons momentos e para pessoas especiais!!" Gualberto sentiu-se especial e o imaginou vendo o jogo de seu time naquele sofá! Tudo acompanhado de um prato de salaminho e uma loira gelada. Imaginou a felicidade da esposa, Grizelda, assistindo a novela, esparramada no sofá retrátil. Imaginou a inveja que o sofá causaria no restante da família Buscapé, como costumava dizer. A vendedora o trouxe de volta a realidade. -" Hoje trabalhamos muito. Temos que ver nossa casa como refúgio e lugar de paz e descanso!! Essa linha de móveis proporciona isso, deleite e prazer. É um design exclusivo, elegante e aconchegante. Nossa família é o maior bem que temos, por isso merece um móvel assim, top de linha!!! Dá pra dormir aqui!!! Muito macio!" Gualberto concordou. Aquela vendedora dizia palavras bonitas. Sim. Ele queria aquele sofá de mil e duzentos reais pra ele. -" Eu queria um sofá desse pra mim!!!!" Disse a vendedora, lendo os pensamentos dele. -" Imagine o senhor recebendo alguém importante na sua sala!!! O senhor tem casa própria????" Gualberto fez sinal de positivo com o polegar. -" Sim, moça. Graças a Deus!!!" A vendedora puxou o encosto do sofá. Estava todo reclinado. Cheio de almofadas. Parecia uma cama. -" Que bênção, tanta gente sofrendo com aluguel. Imagine só!! Ver um filme, uma série da Netflix ou um futebol nesse sofá!!!! Maravilhoso. Um sonho. Um presente para o senhor e sua família. Aproveite, senhor Gualberto!!" Aquela vendedora parecia que lia o que ele pensava. -" Tenho apenas esse nessa cor marsala. Tenho na cor ferrugem, terracota, verde, vermelho e branco. Oito lugares. Precinho acessível num excelente produto que vai lhe dar conforto e valorizar seu lar, senhor Gualberto. Vamos levar??? Aproveite!!!" Ele quase respondeu: -" Vamos?!?!? Oba!!! Podemos intercalar os pagamentos das parcelas. Um mês pago eu, outro mês você paga!!!" Pensou. Um vendedor passou por eles. -" Vendeu outro sofá!!!??!! Parabéns, Josi." Aquela vendedora era muito eficiente. Sabia tudo do produto. Ele pensou que, se tivesse uma loja, queria ter vendedoras iguais àquela. Ele olhou para a porta. Olhou para as pessoas. O quadro de Romero Britto, na parede! Estava fazendo as contas, mentalmente. Em quatro vezes daria para pagar, tranquilamente. Poderia jogar em seis vezes no cartão. A vendedora consultou o catálogo. Pegou uma calculadora do bolso. -"No cartão a vista consigo lhe dar cinco por cento de desconto!!! É seu!!! Esse sofá estava reservado para o senhor!!!!" Gualberto era só sorrisos. Um homem feliz. -" Daqui dois meses terei o décimo terceiro!!! Posso vir e pagar tudo!!!!" A vendedora ficou ainda mais animada. -" Excelente!!! Vai fazer a visita ou no cartão a entrada????" Gualberto sacou a carteira. -" Posso dar trezentos de entrada, hoje!! O restante de oitocentos pode jogar em duas vezes no cartão!!! Tenho uns bicos pra receber!!! Vou levar!" A vendedora ajeitou os óculos. Molhou os lábios. Sorriu amarelo. Pegou o cartaz com o preço do sofá. -" Senhor Gualberto. A entrada é de mil e duzentos reais. Preço total está aqui: seis mil reais!!!" O homem queria ser um avestruz, naquela hora, pra enfiar a cara num buraco tamanha a vergonha. Ele voltou as notas de dinheiro a carteira. Ajeitou os óculos. Enxugou o suor da testa. -" Entrada??? Mil e duzentos??? Puxa!!! Agora azedou a boca da égua!!! Essa é a entrada! Gostei muito do sofá mais vou falar com minha mulher!! Vai que eu levo e ela não gosta da cor???? Vai dar briga!!!!" A vendedora sorriu. -" Melhor mesmo. Quem decide é a mulher. Quando retornar, me procure!!!!" Gualberto saiu da loja. -"Nessas horas se vê o abismo social que vivemos!!! Não é caro, a gente é que ganha pouco!!!" Dizia a si mesmo. Lembrou-se da piada do bêbado que reclamou da música horrível do cabaré e da mulher feia, de vestido vermelho, com a qual dançava. O bêbado levou uma dura: -" Está bêbado demais pois essa música é o hino nacional. Aqui não é cabaré mas sim um velório. Não sou mulher mas sim o bispo!!!!" Na saída do shopping, ele riu de si mesmo. -" Que mico, Gualberto!! Que bola fora. Cacetada de entrada, meu salário integral!!!! Aquele sofá não me pertence!!" Durante o trajeto pra casa ele ria de si mesmo. Não via a hora de chegar em casa e falar pra esposa. Pagar mico todos pagam mas rir de si mesmo é para poucos. FIM.