Assédio moral

Éramos seis garotas no meu departamento; Milena, nossa chefe, era cerca de dez anos mais velha do que a média das subordinadas. Eu tinha 22 quando comecei na empresa, ela já tinha passado dos 30. Eu, solteira, como a maioria das minhas colegas (exceto uma), ela, casada e com dois filhos. Desde o início, senti que havia uma certa tensão entre nós, e não exatamente um tipo bom de tensão; ela me olhava atravessado, quase com raiva.

Durante um intervalo para o café, no fim da minha primeira semana, perguntei à Sylvia, uma das mais antigas no setor (e dois anos mais velha do que eu), se a minha impressão tinha fundamento.

- Acho que é o seu tipo, Celia - disse-me ela, com um olhar analítico. - Ela parece ter algum problema com garotas novas, e que são seguras de si.

- Ser segura de si é um problema? - Questionei, mordendo o lábio inferior.

- Milena prefere as submissas, e que precisam dela para tudo - replicou Sylvia. - Você parece saber de tudo, e ela se sente meio desafiada.

- Esquisito. Sempre imaginei que quem soubesse fazer bem o seu trabalho, tivesse a preferência das empresas.

- Da empresa sim, tanto que você foi contratada - ponderou Sylvia. - Mas, como eu disse, ela prefere outro perfil. Prepare-se, que ela vai te dar os trabalhos mais difíceis para fazer.

Dito e feito. Milena começou a pinçar os trabalhos mais tediosos e me passar os clientes mais complicados para lidar. Eu tratava de fazer tudo com a máxima atenção, rapidez e eficiência, para não dar margem para que ela me chamasse a atenção. Só que, em vez da pressão diminuir, aumentou ainda mais. Minha chefe parecia disposta a me quebrar, para provar... alguma coisa. Não dei o braço a torcer.

Finalmente, cada vez mais irritada, ela começou a reduzir prazos e a me ligar em horários inoportunos, fora do expediente, para cobrar tarefas que ainda estavam sendo realizadas. O caso tornara-se pessoal. Aguentei essa rotina massacrante por mais dois meses, e finalmente a procurei em sua sala, para obter uma justificativa para tamanha perseguição. Ela me encarou, com o rosto contraído de ódio.

- Eu não te contratei - retrucou ela, secamente. - Se não está satisfeita, peça demissão!

- Farei isso - repliquei. - Mas também vou entrar com um processo de assédio moral contra você.

Saí da sala sem olhar para trás, e fui direto para o RH, preencher o formulário de demissão.

* * *

Fui rever Milena meses depois, na audiência de conciliação, ela acompanhada do advogado da empresa. Milena parecia mais calma, e evitou me encarar, enquanto contava minha história perante o mediador. Por fim, o advogado da empresa propôs um acordo para terminar o litígio. O valor não era grande, mas eu estava cansada daquilo tudo. Aceitei.

Depois de assinados os papéis, fui ao toalete. Estava lavando as mãos para sair, quando Milena entrou. Estávamos somente as duas ali. Ela parou, em frente à porta, como se quisesse impedir minha passagem. Lancei-lhe um olhar desafiador. Para minha surpresa, ela abaixou a cabeça, e num fio de voz, murmurou:

- Desculpe. Por tudo.

Respirei fundo.

- Você conseguiu o que queria, não é? - Redargui. - Estou fora da empresa, e você pode mandar em todas as garotas, sem ser questionada.

Ela ergueu a cabeça e só então percebi que estava chorando.

- Você nunca vai me entender, Celia.

E, passando por mim, apoiou as duas mãos no mármore da pia, cabeça baixa. Olhei para ela por um momento, com um misto de incredulidade e pena, e depois, lentamente, virei-me para a porta do banheiro e saí.

- [19-08-2019]