Fidelidade

Já era tarde quando aproximou-se do vigilante o mensageiro. Espantou-se no primeiro momento, sendo tomado em seguida por um profundo sentimento de preocupação que o fez abrir o papel apressadamente.

Franziu o cenho forçando a visão afim de certificar da veracidade das palavras contidas no bilhete. Tão depressa atestou-as, meteu o papel no bolso da calça, olhando para os lados a procura de um possível remetente para a mensagem.

Era um dia festivo, alguns estavam distraídos com conversas triviais envolvendo política e futebol e outros um tanto quanto embriagados, já não se importavam com a música ruim que tocava na velha vitrola. Porém Jurandir estava ali, de pé e muito sóbrio, praguejando a música, as pessoas, que certamente não iriam para casa tão cedo, o vento frio que soprava tornando insuficiente o velho casaco, e agora para completar seu lamento, teria ele recebido um bilhete que poderia coloca-lo em situação estreita quando chegasse em casa, ou antes disso.

"Ela não vai saber se você não contar." conjecturou consigo mesmo. "Mas se foi algo a mando dela? Não contar é confessar a culpa." Balançou a cabeça negativamente afastando de si os pensamentos.

Há anos naquela profissão, nunca pensará ser vítima do assedio feminino. Porém tudo se pode esperar, ainda mais depois de 3 latas de cerveja. E os presentes ali já haviam extrapolado consideravelmente essa quantidade.

Viu sua companheira ao longe, acompanhada de duas amigas. Sacolejou a cabeça afirmativamente como em um cumprimento contido, ela por sua vez respondeu-lhe levantando o copo de guaraná. Não era mulher de escândalos, pelo contrário, portava-se reservadamente quanto se tratava de ciumes. Porém não conseguia imaginar qual seria sua reação naquele momento.

Se fosse um teste, certamente seria reprovado ocultando a verdade de sua parceira. Uma verdade que ela esperava saber.

Respirou pausadamente, expulsando em seguida o ar dos pulmões como quem tem dificuldades inalar o sopro da vitalidade humana. Encostou-se na parede e com as mãos no maxilar inferior, ponderou nas possibilidades que via diante de si.

Era melhor a verdade que a mentira, concluiu minutos depois.

A musica tocava, enquanto novas caixas de cerveja chegavam enchendo ainda mais o freezer improvisado, assegurando-o de que tardaria o fim do festejo. Observava que várias pessoas recebiam os recados, algumas com ar de riso, outros com semblante preocupado e tiveram até aqueles que curiosos ficaram para saber se existia mesmo a possibilidade de um possível encontro depois da festa. Acenou pois para a companheira que rapidamente caminhou em sua direção com a submissão pertinente a uma boa esposa.

_Foi você que me mandou um bilhete?

Indagou-a ressabiado.

Ela com um sorriso franco e quase que sonoro gesticulou com a cabeça afirmativamente.

_Ahh!

Exclamou aliviado.

As amigas que já sabiam do envio, logo perceberam do que se tratava e gargalharam com o possível constrangimento do homem sério que conheciam a algum tempo.

A mulher se sentiu satisfeita, embora não fosse aquele um teste de fidelidade mas sim um mimo a alguém que amava. Atestou que a verdade e cumplicidade caminhavam juntos no relacionamento que ultrapassava uma década. Um amor onde não havia espaço para mentiras, ainda que elas pudessem causar desconforto.