Os ladrões

Os ladrões

Em pleno século 22, a humanidade vive uma época extremamente conturbada e, em que tudo está cada vez mais escasso. Falta trabalho e a saúde, cada vez mais, deixa a desejar. Sem contar a comida que está, a cada hora, mais cara e difícil de ser encontrada, razão pela qual todo e qualquer alimento é guardado a sete chaves e protegido a qualquer custo. Complementado tudo, e mais grave é sem dúvida a falta de moradia digna, que atinge as populações carentes. Com isso grandes aglomerações aparecem pela cidade e se existe uma comunidade que cresce assustadoramente, dia após dia, essa é com certeza a do Sovaco Fedorento. Por ser um local seguro, de todos os lugares migram os novos habitantes em busca de melhores condições de sobrevivência. Sua densidade demográfica começava a incomodar até mesmo aos moradores do local e era justamente nessa turbulenta comunidade que vivia o casal Roy e Dora. Dois marginais irrecuperáveis da mais alta periculosidade, os piores ladrões da atualidade. Não havia uma só casa pelas adjacências que não tivesse sido visitada por eles. Até mesmo a delegacia de polícia, com todo aparato tecnológico de vigilância, não escapou as suas investidas e por isso é claro que suas cabeças estavam a prêmio por toda a redondeza. Em quase todos os locais podiam ser visto seus retratos falados afixados nas paredes bem como faixas oferecendo premio pela captura desses dois meliantes, algumas até, contrariando a ética e a justiça, mencionavam como válido até mesmo se eles aparecessem mortos.

Muito espertos, e quando resolviam atuar sempre conseguiam escapar, aumentando a cada dia que passava ainda mais a fama dos dois. Durante o dia, invadiam e se escondiam em qualquer barraco no Sovaco Fedorento levando quase sempre o terror ao seu morador. A maioria das pessoas não os via nesses momentos. Era durante a noite que saíam para suas certeiras investidas criminosas, mas verdade seja dita – jamais assaltaram alguma residência cujos ocupantes não tivessem o que comer.

A fama que alcançaram era tanta que passaram a ser referência para os mais jovens, não só daquela comunidade como de outras. Qualquer menor que perguntado o que seria ao crescer, logo dizia: “quero ser igual a Roy e Dora”.

E não ficava só nisso, várias eram as histórias que contavam envolvendo os dois. Sem contar os boatos de atuações múltiplas em uma só noite. Para o pessoal da redondeza era sabido que não tinha porta ou janela que eles não conseguissem vencer, e para seus perseguidores cada dia mais difícil ficava capturá-los.

Suas vidas ganharam tanta evidência que até é cogitado no meio artístico fazer um filme baseado na história dos dois.

Na madrugada deste sábado, quando passavam por aquela rua onde faziam seu tradicional caminho de volta para casa, Roy comentou com sua amiga:

- Olha que interessante Dora!

- Olhar o que meu querido?

- Tenho passado sempre por aqui e até hoje não havia reparado nessa linda mansão.

- É mesmo? Não acredito!

- É verdade, acho que é porque quando voltamos estamos sempre fugindo e cansados.

- Não creio que seja por isso, pois eu sempre a vi, só não entrei ainda por achar muito arriscado.

- Não tem nada de arriscado. Pelo menos não vejo assim.

- Mas pode acreditar, essa é a sensação que sinto e eu costumo acatar minhas intuições. Por isso estou livre e viva até hoje.

- Pode até ser que você tenha razão, mas hoje vou entrar. Não deixarei passar essa oportunidade.

- Você deve estar ficando louco... Olha só para o tamanho dela! Acredita mesmo que podemos entrar e sair ilesos daí de dentro?

- Mas é claro, repare bem agora, por exemplo: está me parecendo que não há ninguém em casa, o que você acha?

- Não tenho tanta certeza como você. Olha bem, daqui não dá para ver direito lá dentro, e a claridade indica que tem uma lâmpada acesa. É sinal que pode muito bem ter alguém aí, sem contar essas câmeras espalhadas por todo o local.

- Dora, toda vez que proponho um ganho extra você dá para trás. Precisa ser mais confiante e ambiciosa.

- Não é que eu não seja confiante ou ambiciosa, eu sou apenas precavida... e essa casa me parece muito perigosa

- Acontece que assim estaremos sempre da mesma forma. Um dia agasalhado e bem alimentado outro, sem roupa, com fome e com frio. – Lembrou Roy.

- Concordo, embora prefira algumas vezes sentir frio e fome a ter a cabeça a prêmio. É preciso que tenhamos certeza absoluta de que a casa está vazia e segura para que possamos agir com tranquilidade e sem risco. – Defendeu-se Dora.

- Presta atenção amiga! O silêncio é total e já tem alguns minutos que não vejo nenhum movimento no interior. É agora ou nunca, vamos pular o muro e entrar na casa.

- Não tem jeito, você é mesmo insistente e pelo jeito não vai desistir.

- Pode estar certo disso. Não vou desistir.

- Está bem, mas lembre-se que vou sob protestos.

Roy sabia muito bem como fazer valer sua vontade, por isso não perdeu tempo em justificar sua ação.

- Hoje é o dia que nós vamos tirar a barriga da miséria. Faremos uma boa refeição aqui mesmo no local.

- Vamos correr todo esse risco para fazer somente uma refeição? – Reclamou Dora.

- É claro que não. Depois de comermos, levaremos o que pudermos carregar, combinado?

- Agora sim melhorou. Mas veja, teremos que tomar distância para pular, pois esse muro aqui é bem alto.

Mostrando ser possuidor de grande elasticidade, em instantes, Roy estava em cima do muro e desafiava sua comparsa.

- Deixa de conversa. Ação minha garota! Venha! Daqui de cima dá para ver que realmente a casa está vazia.

De cima do muro Dora fez a sua constatação.

- Roy, a coisa complicou, as portas são todas protegidas.

- E desde quando porta protegida ou não, foi problema para nós. Deixa de conversa e vamos.

Realmente a porta não foi problema para eles. Logo os dois ladrões, pensando que o caminho estava livre, entraram na casa.

- Roy, não se esqueça, que todo cuidado é pouco.

- Vamos rápido Dora e deixa de tanta conversa.

Já estavam dentro da mansão quando descobriram.

- Olha ali no quarto, Roy. Eles estão em casa.

- O que tem de mais? Vamos fazer o que sabemos.

- Estou ficando preocupada. Não gosto dessa adrenalina. – Dora não parava de reclamar.

Roy que sempre foi o mais arrojado, agora procurava acalmar a amiga e incentivava-a a continuar.

- Estão dormindo um sono pesado. Vai ser mais fácil do que pensei.

- Olha pra frente e tome muito cuidado. – Recomendava Dora.

- Não tem perigo. Vamos agir rápido.

- Mesmo assim muito cuidado. Não devemos acordar o gato, ele pode fazer barulho e nos comprometer.

Os dois chegaram à parte da casa que a princípio seria a primeira parada. Estavam no centro da cozinha e o cheiro da comida ainda pairava no ar, aumentando ainda mais o apetite deles.

- Veja Roy, como você disse vamos tirar a barriga da miséria.

- Estou vendo Dora, tem comida para um batalhão.

- Vamos comer que estou louca de fome. Depois fazemos o resto do serviço.

Os dois não pensaram duas vezes e começaram a comer. O tempo passou e com a visão acostumada ao ambiente puderam ver melhor todo o local.

- O local tem ratoeira armada pra todo lado, Dora. Parece que não somos os únicos a vir comer por aqui. Temos que redobrar a atenção.

- Eu avisei que não seria tão fácil como parecia. Agora você está concordando comigo. Da próxima vez vê se você da mais crédito as minhas intuições.

- Agora não tem mais jeito. Vamos rápido porque temos muito que fazer.

Terminaram de comer e partiram para o assalto. Neste momento devido à escuridão Roy esbarrou num copo na beira da pia, derrubando-o. Com o susto Dora sem querer tropeçou em uma das ratoeiras que ao desarmar prendeu em seu pé. O barulho do copo quebrado e da ratoeira desarmada ecoou pela casa fazendo com que gato e os donos da casa acordassem.

- Roberto, acorda! Anda! – Madalena sacudia seu marido.

- Hum? O que você quer, mulher?

- Escutei um barulho e parece ter vindo da cozinha. Tem alguém por lá. Será que alguém está tentando roubar a nossa comida.

Os espertos ladrões escutaram os donos da casa conversando e resolveram fugir para livrar a pele como sempre faziam.

- Vamos sair fora, Dora. O pessoal acordou.

- Já ouvi. Vai indo que eu vou em seguida.

- Anda rápido, menina. Está esperando o que?

- Estou tentando, mas não consigo, Roy. Fiquei presa por causa dessa ratoeira e também acho que estou com a perna quebrada. Fuja você, enquanto há tempo.

Devido à rápida intervenção dos moradores, nada mais foi feito pelos dois ladrõezinhos. Tiveram um trágico fim.

De uma só bocada Roy foi abatido pelo Rajado, gato de estimação da casa, e Dora que estava presa à ratoeira foi espancada com a tradicional vassoura pelos moradores, até a morte. Desta vez à teimosia do amigo custou-lhes as vidas. De nada adiantando sua intuição.

Demonstrando total falta de arrependimento aqueles moradores penduraram os corpos dos marginais na rua como a servir de aviso para algum outro roedor aventureiro que tivesse a infeliz ideia de invadir aquela mansão.

A notícia correu como rastro de pólvora acesa, proporcionando alívio e alegria por toda a vizinhança, entretanto, lá na comunidade do Sovaco Fedorento fez-se luto de três dias e uma faixa pendurada na entrada com a inscrição “Perdemos os Grandes Roy e Dora”, homenageava aos dois.

Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 16/08/2019
Código do texto: T6721747
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