As dores humanas e as dores dos animais

Certo dia, quando cheguei em casa vinda do trabalho a Vó Ivete, como era rotineiro, veio fazer o relatório do dia dos filhos e me disse muito emocionada que o Lucas, então com cinco anos, disse: "...sabe vó eu que escolhi esta família.” É meu filho, disse ela, como assim?! Ele respondeu: ah, eu estava lá no Céu com Papai do Céu e ele disse – Lucas, vem escolher tua família – eu olhei bem aqui pra baixo e disse que era esta...!

Não sei se no céu dos animais acontece assim, mas quando naquele dia de outubro de 2001, chegamos perto da ninhada de filhotes Fox Terrie, com certeza, o Tobby nos escolheu e nós a ele e voltamos pra casa muito felizes.

Um ano depois de o Tobby estar conosco, a filha Liziane encontrou, no caminho pra casa, um filhotinho de cachorro recém-nascido, era nossa querida Zefa.

Ai o Tobby nos mostrou como se exercita o principio da Solidariedade, adotando a Zefa, a deixando comer no seu prato, dividindo a casinha, brincando e aceitando os instintos meio selvagem de sua amiga vira-lata. O espírito solidário foi até a fase adulta, quando ele passou a entender que deu liberdade demais à amiga e ela tomou conta do pedaço. Na busca de retomar seus direitos passaram a ocorrer brigas homéricas. Em algumas tentativas de apartar as brigas entre nossos amigos caninos, a vó Ivete e José acabaram por sentir a força dos dentes do Tobby, comprovando que animal é animal. Será?

Trazendo para o lado humano: quantas vezes deixamos outra pessoa ocupar nossos espaços, por sermos permissivos além da conta e, quando tentamos reagir o conflito pode se instalar de forma violenta. Acredito que, por não sermos animais, a solução deveria ser sempre pacifica, mas...

O Tobby sempre foi brincalhão, amava uma bola e não sossegava enquanto não estraçalhava com ela. É uma pena que naquela época das peraltices do nosso Tobby não existia celular com câmara, pois até ir dentro de casa pra buscar a máquina de fotografia, ligar e tirar a foto, o danado já estava em outra. Até de skate o jovem cão andava (acredite quem quiser!).

O espaço da nossa casa era muito pequeno, então quando compramos o sitio e levávamos a duplinha nos finais de semana era uma festa só. Com o passar do tempo resolvemos deixa-los por lá, com muito mais espaço, uma pessoa pra cuidá-los, tudo nos conformes – pra nós – porque os danados cavavam tuneis de dar inveja a presidiários e fugitivos de guerra. Era uma e duas e eramos chamados para tapar os buracos na cerca.

Tá ai, quantas vezes a gente pensa que esta fazendo a coisa certa para o outro e na verdade estamos prejudicando. Acreditávamos que os dois eram uns ingratos, cheios das mordomias e queriam mais liberdade. Mais ou menos como quando não entendemos como os filhos vão perder as mordomias da casa dos pais e se aventurarem mundo a fora. Mas acho que o Tobby e a Zefa só queriam era estar junto de nós e pensavam que passando a cerca nos encontrariam. Não entendiam o abandono!

Eis que o Tobby contraiu câncer e sem possibilidade de cura. Tudo mudou na nossa casa, ficamos muito tristes, mas também aprendemos muito com nossos amigos caninos. Aprendemos que as dores humanas são bem parecidas com as dores dos animais.

A Zefa nos deu uma aula sobre respeito. Deixou de brigar com o Tobby, sem “bate au-au”. Por vezes isso acontece também conosco, humano-pensantes, passamos a considerar a outra pessoa quando a morte se aproxima. Uma pena, pois a vida passa tão rápido!

Sempre seguimos o principio que cachorro é cachorro e que lugar de cachorro é na rua. Raramente deixávamos os dois entrarem e ficarem conosco. Sei que o Tobby nunca gostou disso, já que sua raça era de cão companheiro e afetuoso, mas convencionamos com ele que sempre que tomasse banho poderia ficar um pouco na sala. Essa situação sempre foi tão marcante que quando ficou doente o chamávamos para que entrasse, mas ele não entendia esta mudança na regra. Até poderia ser que um pouco da relutância dele fosse por deixar sua companheira sozinha lá fora, mas acabava entrando e ficava bem feliz.

Outra reflexão: quantas vezes passamos a tratar melhor uma pessoa porque sabemos que está doente. Quanto tempo perdemos de estarmos juntos nos momentos felizes se, provavelmente, nos uniremos na dor.

Dizem que o cão é o melhor amigo do homem porque não pede nada em troca, basta o dono estar por perto que abana o rabo. Será?! Fico pensando na música Epitáfio dos Titãs e sinto que o “Queria ter...” tanto serve para relações entre humanos e animais, podendo estender-se na nossa relação com o mundo – fazer antes para não se arrepender de não ter feito!

Tentamos dar o maximo de carinho e dignidade ao nosso Tobby, até a sua morte no dia 01 de maio de 2015 e temos certeza que nossa relação foi mais que um abanar de rabo.

Saudades do nosso Tobby!

Tânia França
Enviado por Tânia França em 20/05/2019
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