ESCURO
Mais uma noite. Terminando de fazer a tarefa atrasada da faculdade e me preparando para dormir, ou pelo menos pra acordar mais cedo que o normal. Meus pais dormiam. O mundo dormia.
Lembrei que passei o dia todo evitando gente e os eventos que elas estavam.Tinha decidido ficar só e essa solidão diurna me completava. O sol estava lá fora então nada poderia se dar ao trabalho de importunar-me.
Porém era noite quando isso aconteceu. Dói lembrar. Parecia ser uma noite como as outras, mas após beber água e prestes a sair da cozinha, me viera um pensamento: ESTOU SÓ E INCOMPLETO.
Esse pensamento inundou a cozinha, fez fumaça na sala e dentro de mim fez tormenta. Fixei meu olhar na goteira da pia. Ela gotejava... e eu vazava por dentro.
Saindo da cozinha, observei a mesa e as xícaras de café emborcadas. Vazias. E eu também.
Aproximei do interruptor e pareceu que a sensação de apagar aquela luz me fazia entender que nada em mim brilhava. Escorei na parede e o silêncio de noite sussurrava: "VOCÊ ESTÁ SÓ É INCOMPLETO!"
Apaguei as luzes com vontade de chorar. Estava mesmo só. Mas a solidão não era de gente, pois eu havia evitado eles o dia inteiro... e por que agora esse sussurro brada em meu coração?
Era a alma. A alma decidiu olhar-se no espelho da mente e percebeu que faltava algo. Subi as escadas silenciosamente, com o cansaço e a agonia aguda juntos, sentidos pela vagarosidade dos meus passos.
Luzes apagadas. Silêncio no mundo. Não havia vizinhos conversando nem ninguém com carros de som fazendo barulho. Aquele silêncio foi suficiente para fazer-me me aproximar da janela, olhar para o céu negro como uma cortina de teatro e dizer:
"ESTOU SÓ E INCOMPLETO!"
Virei para o lado. Minha cama está vazia, mas ela nunca fora ocupada por gente. Será que errei em ter evitado pessoas? Ou evitei alguem mais?
A literatura era o meu hobby. Amava diversos autores e gêneros, com meus preferidos organizados. Olhando para minhas prateleiras recheadas de livros, avistei um livro pequeno. Eu tinha exemplares maiores, mas olhei para o pequeno.
Era uma coletânea dos meus autores favoritos. Mas fazia um bom tempo que não não lia.
A tristeza consumia meu sono e meu coração queixava-se. Meus olhos estavam fracos, mas sabia que só poderia obter alento se aquele pequeno livro fosse aberto e seu conteúdo fosse lido.
Sempre gostei de escrever, porém inspiração nenhuma me viera naquela noite. Apenas o frio, o medo e a certeza de que estava só em minh'alma.
O livro é pequeno. Minha intenção era passar os olhos sobre ele para pegar no sono, mas eu tinha consciência de que, por intermédio divino, alguma frase falasse comigo e aquietasse meu coração ou pelo menos silenciasse seus gritos agudos dentro de mim.
Era um de tantos livros que eu possuía. Porém quando o toquei, sentindo sua capa e textura, as páginas finas, o papel com cheiro ímpar, fui tomado de uma fraqueza magnanima. Como um assalto fui surpreendido por tamanha fraqueza. Mas seria isso fraqueza física ou mental? Moral ou espiritual?
"Mas que diabos?! Não consigo abrir um livro? O que é que há comigo?"
Segurei o livro, mas algo dentro de mim chacoalhava meus pensamentos: "como simples letras irão preencher o vazio?" Uma lágrima verteu do meu olhar.
Após grande luta interna, o sono preencheu aquele quarto escuro. Quando iria abrir o livro, não tive forças e me dei por vencido e angústia comodativa. Larguei o pequeno livro antes que pudesse abri-lo.
Deitei em meu leito, mas o sono me enganara. Agora estava eu sem sono, sem paz e sem forças de me levantar para abrir o livro. Virei-me de lado e chorei suspirando e dizendo baixinho: "ESTOU SÓ E INCOMPLETO NOVAMENTE!"
Na manhã seguinte, saí cedo de casa correndo para a aula. Minha mãe, ao entrar no meu quarto para organiza-lo, deparou-se quando viu, em minha prateleira, a pequena bíblia com a capa amassada.