A gente que flerta na calçada
Os passos vão divagando na medida em que olhos dele vão encontrando os dela.
Ela sorria ao caminhar.
Ele falava algo a que ela não deu fé, porque têm vezes que a nossa voz foge ao conforto do pensamento.
Mas se é de pensar em fazer e fazer, você tem de ser rápido porque segundos não demoram horas, como quer a poesia. É assim que olhares trocados viram sorrisos e balbucios
- Oi? - pra ele.
- Oi? - pra ela.
E vão prosseguindo, cada qual na sua direção. Até que o caminhar vai divagando mais; e mais; e para. O rosto foi-se embora com o resto do corpo, e o que ficou foi o perfume. É o que concluem.
O(A) leitor(a) faça um esforço em imaginar um véu transparente e perfumado que tenha se estendido pela calçada, e recorde o perfume que sentiu acariciar a face, puxando aí uma lembrança boa ou duas.
Ninguém vira o rosto para saber se está olhando de volta. Para quê? a esta altura qualquer um dos dois já cruzou uma das esquinas daquela rua; mas continuam por mais uns instantes daquele jeito, inertes. Um voltou os olhos para o próprio smartphone, deslizando o polegar pela rolagem para definir a nova playlist. A outra ficou na frente duma livraria lendo os títulos dos livros na vitrine. Lê o título, autor e preço, e passa para o próximo.
Mas, repito, pouca coisa dura mais que segundos, e dali pra frente escutam-se passos.