A OPRESSÃO
Cansado de tanta asneira dita em sala de aula, na faculdade, resolvi sair um pouco da sala. A famosa desculpa do banheiro caia sempre bem naqueles momentos em que o professor de história do Brasil, Clayton, falava de opressores e oprimidos.
Quando cheguei ao pátio, sentei-me no banco de cimento e passei a folhear meu "As Confissões" de Agostinho, não podia esperar quem sentaria ao meu lado: a Aninha, a maior ateia da sala. Sim, marxista todos eram e ela era daquelas atéias ativistas.
Lancei-lhe um aceno com a cabeça e voltei meu olhos a Agostinho, quando ela me interpelou:
-Por que ler Agostinho?
-Hã? (Será que ela estaria de gozação?)
Ela não moveu um músculo do rosto.
-Eu te pergunto: por que não ler?
Ela só revirou os olhos.
-Obviamente, ele é um opressor!
-Como?
-Sim! Assim como todos apóstolos da bíblia. E todos os padres. E todos religiosos das eras. Todos querem impor de uma maneira, direta ou indireta, esse livro antigo que é a bíblia. (Os braços dela tinha se movido tanto que eu me perguntava se aquilo não seria um discurso político pronto e inflamado).
Deixei que ela se acalmasse um pouco.
Quando a percebi quase por se levantar, perguntei:
-Certo. Poderia te perguntar algo?
Ela tinha os olhos baixos agora e os ergueu carregados de um desdém digno de nota de cem reais.
-Ja considerou a hipótese de a bíblia possuir erros?
Ela franziu o cenho, mas havia um sorriso reprimido, mórbido.
-Sim, claro. Sempre. Foi escrita por homens para oprimir.
-Como pode ter certeza?
Os braços se moviam novamente.
-Eu sei! Simplesmente sei!
-Mas isso não garante que ela tenha erros ou não! Você não a leu!
-Hum, onde quer chegar?
-Simples, leia alguns capítulos e veja se acha os tais erros.
-Digamos que eu fosse fazer esse sacrifício, não seria uma opressão?
-Como assim? (perguntei retoricamente, sabia o ponto ao qual ela queria chegar).
-Nao seria a sociedade patriarcal demonstrada nas páginas da bíblia me impondo sua leitura?
-Não diria isso. Você pode escolher lê-las ou não! Essa é a graça.
-E eu escolho não lê-la.
-Então percebe que não é oprimida?
-Sim. Ah, quer saber: vai se ferrar!
Ela tinha perdido esse pequeno debate e se levantou e me deu as costas, saindo na direção do banheiro.
Eu a deixei. Não era um opressor. Ela tinha liberdade de ler ou não ler.
Ah, a liberdade, símbolo desde o Éden, era manifestada sempre em ambientes tensos como aquele.
Por quê isso ocorria? Talvez pela responsabilidade que da escolha resultava.
As consequências são diversas e inimagináveis, mas são liberdades.
Olhei para os céus.
-Deus, Tu óh, Senhor não é um opressor.
Disse isso, sentindo-me livre.