ASSENTO PREFERENCIAL
“Preciso trabalhar ainda. Fazer o quê, né?”, dizia a senhorinha sempre que deixavam que sentasse no assento preferencial do transporte urbano. Sentia necessidade de justificar o “empecilho” que causava.
Todos os dias uma espécie de pânico a incomodava ao sair de casa e do trabalho só de pensar em utilizar o transporte público. Como seria tratada pelos outros usuários, se a deixariam entrar e sair com segurança, se a deixariam utilizar o assento preferencial. Não se sentia a vontade para pedir que a deixassem sentar. Tinha medo, até. Às vezes, alguém educado perguntava se ela não queria sentar, apontando para um assento ocupado por quem não deveria estar lá sentado, mas, com receio, dizia que já ia descer.
Nas estações de trem e de metrô procurava ficar na plataforma num local reservado para embarque e desembarque de idosos, gestantes e pessoas com necessidades especiais. Se não tivesse, ficava quietinha esperando o melhor momento, quando os ânimos dos usuários não estivessem exaltados pela necessidade tresloucada de subir naquele transporte, como se fosse o último da face da terra. Deixava o gado embarcar para chegar perto da porta de embarque do próximo.
Naquele dia, enquanto tomava o café da manhã, no programa de televisão que assistia uma pessoa veio falar de uma tal de autoestima. Achou bonito aquilo da pessoa ser valente. Pensou naquilo o dia todo. Comentou com as colegas, que nunca ouviram falar. Foi conversar com a moça do escritório para ver se ela podia explicar melhor. Nem viu o tempo passar de tão boa a conversa.
Como sempre, a volta para casa foi tumultuada, mas fez valer a sua preferência no assento especial do metrô, do trem e do ônibus.