PAYSANDU

A felicidade de sentir o sol atravessar o tecido da sua barraca contrastava com a tristeza do cobertor molhado, do frio que lhe gelava a alma. A dor piorava por ter que consolar o filho, com frio e fome.

Sua barraca era rodeada por outras barracas e em cada uma sabia haver mãe consolando filho. Chorava por si e por todas.

Tinha esperança que naquele dia, mais do que todos os outros, alguém doaria cobertor, roupas, comida. Contava com isso, pois o prefeito não queria saber deles e a igreja oferecia mais ajuda imaterial; e essa ajuda aceitava com ressalva, já que os céus não a estavam favorecendo.

De repente, um alvoroço lá fora. Cobriu o filho com o agasalho que usava e saiu, esfregando os braços nus cruzados junto ao corpo.

Era um político. “Essa raça só aparece quando interessa, mas pelo menos traz alguma coisa”, pensou. O político, sobre sua pick up, distribuía comida, roupas, cobertores e santinhos. Quando foi pegar algo já não tinha mais nada além dos santinhos, que dispensou. Praguejou os céus de novo.

Aborrecida, quis voltar para a barraca, mas percebeu a chegada de um carro diferente. De outro partido, esse político repetiu promessas, doação e pedido de votos. “Dessa vez eu pego alguma coisa”, decidiu. E garantiu seu naco: uma jaqueta de nylon, uma manta, um kit com arroz, macarrão, bolacha salgada e leite em pó. E alguns santinhos, claro.

Entrou para guardar seus prêmios e cobrir o filho com a manta. Viu de relance um carro da reportagem chegar. Reconheceu o logotipo.

- Mais propaganda. Nem com o jornal aqui ninguém resolve nada. – desabafou enquanto cobria o filho e começava a preparar uma comida. – Quando vem alguém prá resolver isso de uma vez? Sair daqui de mão abanando não saio. Quero ver me tirar na marra. Não são loucos. Não vão mandar a polícia bater na gente. Ah, não vão.

Ouvindo a mãe, o filho, num misto de frio, fome e medo, perguntou:

- Mãe, quando a gente volta prá casa?