Todas movimentações espalhadas pelas ruas do bairro tiraram Canarinho de seu mundinho tão particular. Há anos vivendo na rua, desenvolveu um sistema de autodefesa se embrenhando num mundo psíquico. Habilidoso, sabe desenhar como poucos. Sempre que tem oportunidade, pega papel e lápis ou o que tiver a mão e, em pouco tempo inicia lindos traçados que se transformam em desenhos de caracterização pessoal. Ricos em detalhes, demonstra que o sem-teto tem um passado rico em aprendizado e talento. Suas mãos, hábeis e alongadas mais parecem mãos de um desenhista ou pianista do que de um morador de rua.

Educado, não se mete com ninguém e sempre agradece de forma educada e até cortês aos mimos e doações que recebe das pessoas que o adotaram naquela rua. Até mesmo aqueles que olha Canarinho com desdém, ele respeita. Após tantos anos nas ruas compreendeu que a ignorância e a falta de amor existem desde que o mundo conheceu o dinheiro e o poder.

Não gosta muito de companhias. Sempre acanhado com outros companheiros de rua. Não bebe, não fuma, não usa drogas. Só parece meditar. E isso ele faz por horas. É de causar inveja ao mais experiente monge que já se viu.

Seu local onde passa mais tempo está sempre limpo. As vezes canta, assobia, faz mímica e ri de algo que ninguém sabe o que é. Em seu mundo interno deve haver muita alegria, pois seus olhos tampados para a realidade estão sempre com uma luz diferenciada quando se volta para dentro de si.

Em dia de feira no bairro, vários meninos que por ali moram disputam para ver quem compra um pastel, de frango com queijo, primeiro para dar ao Canarinho.
E ele, sempre sorrindo, agradece. É só do que ele gosta. Já tentaram inúmeras vezes oferecer kibe, coxinha, risoli, bolo, mas não. Ele sempre diz: Só como pastel. E de frango com queijo. 

Outra particularidade: vive dando bons conselhos para aqueles que têm o privilégio de ouvir a sua voz. Jamais imaginariam, olhar para aquele rapaz encostado na parede sentar ao seu lado e ouvir as sábias palavras que saem como se fossem flores de sua boca. 

Além de sair renovado de energias, surpreendido com tais palavras e simplicidade, ganha um origami do Canarinho aquele que ousar sentar-se ao seu lado. Sim! Ele faz com qualquer pedaço de papel um origami mais que perfeito. 

Os moradores do bairro vivem comentando e se perguntando: quem é de fato esse Canarinho? Ninguém sabe sua origem, seu passado, se tem família. É uma curiosidade só. Mas toda vez que o abordam com tais perguntas ele simplesmente sorri e fica quieto. As vezes balança a cabeça, fecha os olhos ou responde secamente Canarinho! E sai cantarolando deixando as pessoas sem reação. 

Certo dia vi o Canarinho encostado dormindo, estava sorrindo e com olhos tremendo, num sonho que só ele sentia. Foi a última vez que o vi naquela condição, na verdade foi a última vez que todos os viram naquelas condições.

Toda vez que passo pela minha antiga rua e olho o local onde ele ficava me dá uma saudade!!! Mas também, toda vez que passo em frente a feira onde trabalha e o vejo, abre sempre aquele sorrisão e me cumprimenta: Eai está bem? - Quem diria, durante anos ganhando pastéis de graça das crianças e hoje trabalha na tal barraca. 

Acredito que mesmo se Canarinho não tivesse empregado naquela barraca de pastel, se eu o visse ele daria aquele sorrisão bonito e alegre. Mais alegre e agradecido do que eu, que estaria indo estudar, reclamando de alguma coisa que eu visse no meu caminho.

Pois é, eles só precisam de uma oportunidade, de um abraço, de um ato de solidariedade, de alguém para conversar,de uma atenção. Um sorriso custa pouco e conquista muito! Canarinho me conquistou e ainda conquistará muitos com sua simplicidade e sorriso.
Adaptação de Matheus de Andrade
Enviado por Mara de Andrade em 21/04/2018
Reeditado em 21/04/2018
Código do texto: T6314880
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