Mulher, muito menos...

Tia Vicentina viveu nove décimos, e fraçãozinha, do século XX. Testemunhou o advento do avião, do rádio, da fotografia, da tv, tudo sem muita trepidação. Só as investidas do padre Fernando, da Onça, em sua tenra meninice, foi que lhe causaram algum comichão. E poderiam ter tido consequências inoportunas, não fosse a enérgica intervenção de vovó Inhana.

A escola, no hoje mais que centenário Zico Barbosa, ainda de pé e de fé, não foi o cerne de suas preocupações. Primogênita de Ana e do seleiro curvelano Velusiano, teve que se empregar cedo na faina doméstica. Daí não foi dos compendios que extraiu palavras e expressões como catre, cancela (para portãozinho), cerrar (para o mesmo portãozinho, portas e janelas), de fasto, põe sentido, espiá só...

E todas elas bem como todas outras, nô-las repassou em seus contos e causos, bem como, cantigas de acalanto, trágicas algumas, outras nem tanto...Fidelíssima ao factual nas suas narrações, deu pouco espaço ao fantástico, mas nunca deixou de reverenciá-lo, como no caso do fantasma que a perseguiu nas jabuticabeiras do quintal de um outro padre mais brando do que o dito Fernando, ou como no caso da imagem de Santo Antônio, da matriz de Nossa Senhora de Santana, da Onça, que teria dado uma sacudidela no dedo indicador, em vivo sinal de desaprovação aos feitos de seu estouvado irmão menor Antônio...

Sua primeira boneca, Betina, teve-a já sexagenária, mais como filha, que afinal - se nenhum homem é - mulher, muito menos, ilha será.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 25/03/2018
Reeditado em 25/03/2018
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