O olhar de Rosalinda
Rosalinda, olha-se no espelho e não encontra mais a aparência de outrora. Observa um olhar cansado e sulcos contornam seus lábios. Vai além da aparência física. Encontra o abstrato, o invisível no âmago do seu ser. Apesar de frágil e envelhecida é capaz de reinventar-se.
Corre para o telefone, marca oftalmologista, cirurgião plástico e também um maquiador. Primeiro os recursos visíveis e práticos. Com 63 anos, já sabe lutar pela sobrevivência.
O quarto exala cheiro de rosas, oriundo de um simples aromatizador. Sonha em resgatar a magia de vida é ousada e criativa.
Olha-se novamente no espelho, medita e perde-se em seus pensamentos. Reencontra uma menina feliz, só sorrisos que ainda habita suas lembranças. Expansiva, cheia de fantasias, facilidades e alegrias. Época que todos estão vivos: pai, mãe, avós, primos e amigos. Enquanto isso o sol derrama seus raios dourados e afetuosos; as margaridas falantes e brejeiras iluminam o jardim. Assim a menina percebe a vida. Corre para o quintal, come uvas roxas e morangos vermelhos da cor da beterraba. Observa a força das formigas para sobreviver. Neste momento determina seu destino: aparência frágil e capaz de carregar grandes fardos.
A menina está viva através do espelho e das lembranças de outrora. Sente-se alegre, a alegria é a emoção mais elevada pois é ligada ao coração. A inocência habita o espelho do seu inconsciente é colorida e tem cheiro de amor. Sabe brincar e flutuar com leveza no aqui e agora da vida, onde tudo é possível no mundo do faz de conta. Exceto a maldade.
Observa-se sentada em torno de brinquedos e livros. Passeia com o pai que compra o jornal e revistas infantis. Acredita ser a Minie ou a Narizinho de Lobato. Por ser filha única é sovina, parece ser mais o Tio Patinhas. A mãe organiza o lanche, faz picolé de uva e bolo de abacaxi.
Rosalinda volta a sua idade e vida real. Sabe que o mundo desigual. Defende-se com os próprios recursos internos contra a finitude e a limitação do corpo e da saúde.
Precisa resgatar-se, guarda o espelho na ultima gaveta do armário. Levanta-se da cama, arruma o cabelo e veste-se de amarelo . Desce as escadas, coloca uma música de Tom Jobim na vitrola. Convida seu esposo Gregório para jantar. Os olhares misturaram-se novamente. Resplandece a felicidade nos seus rostos. Pois enquanto existir afetos e sorrisos, sempre é possível reinventar a realidade.