Essencial

- Rachel, começou.

A cientista ergueu os olhos da amostra de plâncton que examinava ao microscópio, e encarou em silenciosa expectativa o colega que havia acabado de entrar no laboratório.

- Vão derrubar as restrições à exploração comercial na reserva - continuou ele.

Rachel ergueu-se da bancada, ajeitando o guarda-pó branco.

- Foi mais rápido do que eu pensava... nem duas semanas depois de colocarem o peão deles no lugar do Dr. Day! - Exclamou ela. - Alan, precisamos fazer alguma coisa!

- Com um secretário do Interior empresário, e mais conservador do que o próprio presidente, era só uma questão de tempo até que isso acontecesse... - ponderou Alan. - Mas o que podemos fazer? Somos cientistas, não políticos. Esse governo não nos ouve, e ignora nossas recomendações.

- Temos que fazer com que nos ouçam - Rachel contornou a bancada e parou em frente ao colega.

E, com um ar de determinação no rosto:

- Eu vou escrever uma carta ao "Washington Post".

- Uma carta? - Indagou Alan, incrédulo.

- Sim, uma carta ao editor - insistiu ela. - Talvez não me dessem atenção se eu fosse apenas uma cientista, mas, afinal de contas, para alguma coisa deve me servir ter passado meses à fio na lista dos mais vendidos do "New York Times"...

- Bom, se há alguém capaz de chamar a atenção da imprensa, certamente é você - reconheceu Alan.

Rachel esboçou um sorriso.

- Precisamos conferir, não é?

* * *

- Dra. Carson?

A voz de homem do outro lado da linha era formal e polida.

- Eu mesma. E o senhor é...

- Douglas McKay, secretário do Interior.

- Sr. McKay. Não posso dizer que seja motivo de satisfação ouvi-lo.

McKay riu.

- Aprecio a sua franqueza, Dra. Carson. Prometo ser breve... estou lhe telefonando para dizer que li a sua carta ao editor do "Washington Post"... a qual está gerando certo rebuliço nos meios acadêmicos...

- E, imagino eu, também nos meios políticos, ou não estaria me ligando, senhor McKay.

- Certamente. A sua carta lançou a administração republicana... e a minha pasta, em especial... sob uma luz francamente desfavorável.

- O que o senhor queria que eu fizesse, senhor secretário? O substituto do Dr. Day, indicado pelo senhor, autorizou a exploração comercial de uma reserva de vida selvagem, pondo em risco todo o nosso trabalho de preservação!

- Dra. Carson... eu compreendo a sua defesa veemente da vida selvagem... mas deve entender que, enquanto secretário do Interior, e particularmente nesta administração, nosso objetivo é gerar empregos e alavancar o desenvolvimento dos Estados Unidos da América! Não podemos pensar apenas em belas paisagens naturais e nos animais que nela vivem...

O tom da cientista subiu uma oitava.

- Sr. McKay, me perdoe! Mas deixei claro na minha carta, a qual acredito que deve ter lido na íntegra, que a riqueza de uma nação reside não só em seus recursos naturais, mas na forma pela qual eles são explorados - e isso exige pesquisa intensiva, jamais podendo ser conduzido de forma precipitada ou imediatista. Muito menos objeto de barganhas políticas!

- Dra. Carson...

- Um momento, secretário! Ligou para mim, pois agora vai me ouvir. Passamos décadas estruturando o serviço de proteção da vida selvagem, ora em vigor. Décadas de trabalho duro, levadas adiante por homens e mulheres que não eram somente competentes no que faziam, mas que possuíam uma visão de futuro. Eles sabiam que estavam preservando estes recursos para que seus filhos, netos, e todas as gerações futuras de americanos pudessem servir-se deles, de modo sábio e disciplinado.

E como estocada final:

- Senhor secretário, já provamos em duas guerras mundiais que nossos inimigos devem nos temer. Mas o que dizer daqueles que, de dentro de nossas próprias fronteiras e usando as nossas cores, solapam a verdadeira possibilidade de termos um futuro?

- [14-01-2018]