A Última Tragada.

Primeiro ele sugava a fumaça até os pulmões. A traqueia, faringe, laringe e todo o aparelho respiratório ficavam em ardência e em total embriaguez da baforada, dada. Esse era seu primeiro café da manhã antes de tomar o café de verdade. Café preto puro e quente.

Quando saia para o seu roçado, ainda era de madrugada. Avisava a esposa que ia sair e dizia que só ia voltar com os últimos raios de Sol.

__ Vai levando o que para comer, homem?

__ Apenas uma banda de rapadura pra merendar, mas vou levando um pouco de feijão e arroz pra fazer o almoço, lá na barraca.

__ Leve um dos meninos, homem! Não gosto que você vá sozinho pra roça. Ainda mais nessa distância daqui de casa.

__ Deixa os meninos dormir mais um pouquinho, mulher, depois mande todos eles pra escola. Não quero que meus filhos tenham o mesmo destino que eu. Isso lá é vida, mulher! A gente falta é morrer de trabalhar na roça e mal tem o que comer. Quero que meus filhos sejam tudo doutor.

E assim Elias saia com seu cigarro feito na palha de milho, soltando fumaça ao vento. Levava consigo a foice, velha companheira de labuta. Um facão tramontina, meio desgastado do tempo, com o qual raspava a rapadura para fazer a garapa doce. Um patoá com um pouco de feijão e arroz para fazer o almoço e o fumo, sendo esse, o que não poderia faltar de jeito nenhum. Elias sempre levava o seu pacote de fumo leão ou o fumo em rola. Era a sua distração. Era o seu vício predileto. A única coisa que fazia Elias parar de trabalhar era se faltasse o seu cigarro. Elias, às vezes, encostava-se no cabo da enxada e ficava um bom tempo pensando na vida, soltando a fumaça empretecida que saia dos pulmões depois de algumas tragadas. A sua mulher já havia reclamado muito e dizia que aquilo ainda ia dar fim na vida dele. “Homem esse fumo ainda te mata, você não ver que já está ficando cansado e com falta de ar até para respirar. Seu organismo está ficando fraco, homem de Deus!” Ele dizia que aquilo era besteira da cabeça dela. Dizia que só ficava fraco quando não tinha o fumo e se ficasse sem ele, aí sim ia mesmo morrer.

Naquele dia Elias acordou muito disposto. Caminhou uns seis quilômetros até a sua roça. Estava todo animado, pois já eram visíveis os sinais da chuva se aproximando no sertão. As formigas já criando asas para voar. Os pássaros fazendo buracos no chão. O joão-de-barro fazendo o seu ninho e Elias já estava com sua roça toda pronta, só faltava tocar fogo para poder plantar logo nas primeiras chuvas que caíssem.

Chegando à roça, foi até o barraco. Ficou de cócoras no meio da choupana feita de palha de palmeira babaçu. Puxou o pacote de fumo do bolso, cortou com o falcão um pedaço de palha de milho, amaciou o fumo na palma das mãos, enrolou, levou até os lábios para o arremate final. Depois acedeu e ficou pensando na vida. Pensamento distante. Não se sabe se pensava na família ou no trabalho que tinha muito a ser feito até a colheita dos frutos. Ainda tinha muito serviço até ter comida na mesa da família. Planejava, naquele momento, o que ia fazer durante todo o dia para depois voltar para casa, junto da esposa e dos quatros filhos que deixara em sua casa.

Elias acende o fogo das trempes, improvisada, no meio do barraco. Coloca água numa panela empretecida pela queima da lenha. Põe o feijão trazido de casa e sai com a foice na mão para fazer o aceiro para depois atear fogo na roça. Depois de uma hora de árduo trabalho, Elias volta ao barraco. O fogo já quase apagando, quase se esvaindo como as energias do pobre homem. Atiça o fogo, coloca mais lenha para alimentar as chamas. Depois pega a banda de rapadura e começa a rapar para fazer uma garapa, sua merenda das dez da manhã.

O feijão agora que começava a enrugar os caroços, estando longe de amolecer. Alimenta mais as chamas com lenha e decide continuar o serviço. Mas antes prepara mais um cigarro, pois esse é que lhe dar sustância e energia.

Na lida, Elias percebe que há muito serviço a ser feito e sozinho decide apertar mais o passo, intensificar mais o ritmo. Depois de muito trabalho, já depois do meio dia, decide parar e preparar algo para alimentar a si mesmo.

Quando chega ao barraco, o fogo já quase se apagando. Corre, apressadamente, para alimentar as chamas, antes, que, tudo se apague de vez. O feijão foi cozido lentamente, mas já dava para colocar o arroz para fazer um baião de dois. Coloca o arroz na panela, mesmo sem lavar, havia levado pouca água e a água que tinha estava prestes a se acabar, racionava para dar ao menos para beber.

Perto das treze horas, o almoço fica pronto. Enquanto esperava, Elias tinha fumado uns três cigarros, um bem perto do outro, que a fome quase foi embora. Elias come sua refeição, solitário, mas sempre se lembrando da família. Sabia que tinha de trabalhar para por comida em sua casa.

Depois de engolir o bocado, Elias decide voltar ao trabalho. Tinha que deixar o terreno pronto para plantar, assim que a chuva caísse. Volta a fazer os aceiros da roça. Fica todo animado quando observa no Sul os relâmpagos e cortinas de chuvas se aproximando de seu roçado. Aperta o passo para terminar logo para dar tempo queimar, antes que a chuva chegue. Percebe que está quase sem energia, já fazia mais de hora que não tinha fumado mais nenhum cigarro. Percebe também que falta bem pouco para terminar o serviço, então decide terminar logo, para depois fazer o seu cigarrinho preferido.

Já perto das dezesseis horas, Elias toma um gole d’água, faz uma pausa para fazer os fachos, com os quais irá atear fogo na roça. Nessa parada decide também fazer o cigarro que já estava passando da hora. Esse não foi feito com a delicadeza e paciência como os outros devido à pressa que Elias impõe para finalizar o serviço. Elias que sempre foi calmo demonstrava certa apreensão, naquele momento. Se sua esposa estive ali diria logo: “Calma homem! Que pressa é essa se a certeza que a gente tem é a morte, se não der tempo hoje, faz amanhã”. Mas Elias não queria esperar. Ele queria era concluir logo o seu destino, a sua obrigação, o seu dever de pai de família.

Na pressa fez o cigarro, mas não deu tempo acender. Saiu em direção às trempes com o facho na mão. Acedeu a tocha e saiu com o cigarro apagado na boca e o facho aceso na mão, ateando fogo no mato morto para manter viva a chama que alimenta a família.

Quando estava quase completando o ciclo no círculo percorrido, Elias se depara com uma forte camada de fumaça e é rapidamente envolvido pela cortina empretecida que vinha em sua direção. Sem nada a fazer Elias apenas tragava a fumaça com seu cigarro apagado na boca. Com o sistema respiratório debilitado e seu sistema imunológico enfraquecido, Elias tomba no aceiro da roça. Cai a poucos metros das chamas. Sem reação, sem força, apenas acende o seu cigarro e dá a última tragada em vida, antes de ser tragado de vez pela fumaça da roça em chamas.

Elias só foi encontrado no dia seguinte, com parte do cigarro e do corpo queimado pelas chamas que o próprio Elias ateou com o único propósito de manter acesas as chamas da vida, que alimentavam a sua família.

Pedro Barros.

Barros Nasimento
Enviado por Barros Nasimento em 10/11/2017
Reeditado em 10/11/2017
Código do texto: T6167898
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.