Dora tem 43 anos é psiquiatra e psicanalista, atende em seu consultório na zona sul do Rio de Janeiro. Mãe solteira, tem um filho na faculdade de engenharia chamado Gustavo. Dentre seus vários pacientes, há um chamado Eduardo que atende uma vez por semana. Militar reformado, praticante de esportes, tem trinta e poucos anos e é casado com Márcia com quem tem uma filha de seis anos.
      Dora acompanha Eduardo há quatro anos, ele leva uma vida normal, apesar de se utilizar de remédios controlados para ansiedade e transtornos psiquiátricos. Sempre que vai as consultas com Dora, Eduardo conta sobre sua vida, fala de sua esposa e filha procurando manter um diálogo de confiança e respeito mútuo com ela. Jamais a incomodou fora de horário, demonstrando reagir bem ao tratamento que lhe é ministrado, bem como as sessões de análise que é submetido. Entretanto, Eduardo começa a nutrir por Dora um sentimento que vai além da relação paciente-médico. Tal sentimento começa a tomar vulto em seu pensamento tornando-o permanente em relação a Dora. Sentimento esse que começa a interferir em suas ações, levando-o  até a suprimir comprimidos em sua medicação. Embora durante as sessões não consiga exteriorizar este sentimento, certo dia, numa reação abrupta e inesperada, Eduardo adentra transtornado ao consultório, se dirigindo de forma diferente a Dora dizendo-lhe que está  apaixonado e que a mesma passou a ser a razão de sua existência,  não admitindo inclusive continuar a viver sem sua presença. Quando Dora então responde, que Eduardo estaria confundindo as coisas, que ela tinha sim um carinho muito grande por ele, que inclusive se preocupava muito com sua saúde e que era nítido que o mesmo estava progredindo,  apresentando melhoras significativas em seu tratamento.
      Eduardo aturdido por tais palavras, que lhe soaram frias e impessoais, somadas ao transtorno porque passava, não assimila tal  mensagem, segurando Dora fortemente pelo braço. Ela tenta nesse momento se desvencilhar, Eduardo a agarra e começa a dizer-lhe que ela não está entendendo o que ele de fato sente por ela. Dora se desespera e começa a gritar, do lado de fora na sala de espera está seu filho Gustavo, que ali se encontrava para conversar com a mãe a respeito de uma excursão que haveria em sua faculdade. Ao ouvir a mãe gritar, arromba a porta do consultório começando uma luta corporal com Eduardo, conseguindo assim, afastá-lo de sua mãe. Nesse momento Eduardo, "cai na real", como se estivesse saindo de um transe e sai correndo porta a fora. Vai pra casa e sem nada dizer a esposa tranca-se no quarto do casal.
    Márcia preocupada tenta falar com seu marido, mas verifica que a porta está trancada e começa a bater insistentemente. Ele não a atende, ela sabe que Eduardo não está bem. Dentro do quarto ele procura ingerir a seco e atabalhoadamente seus comprimidos para crise. Nesse momento o telefone toca, é Dora que liga preocupada com seu paciente, tentando entender o ocorrido como uma demonstração de "amor de transferência". Márcia sem saber do que se tratava, atende contente e diz: Graças a Deus a Sra. Ligou. Ela, entretanto, não comenta o ocorrido com Márcia, por saber que Eduardo está em crise. Porém, Márcia vê a ligação como um alento, uma forma de tentar aplacar a crise de seu marido. Assim, corre para porta e diz: Eduardo, Dora está ao telefone meu amor, abra a porta, fale com ela um pouco. Tais palavras invadem a mente de seu marido como uma ameaça, ele vai as raias da loucura e se desespera ao imaginar que Dora teria contado o ocorrido no consultório à sua esposa. Desesperado, com essa imensa vergonha e um misto de arrependimento começa a empurrar com força descomunal a grade de alumínio da janela de seu apartamento, localizado no 14º andar. Quando Márcia grita à porta, que Dora quer falar com ele, consegue finalmente arrancá-la precipitando-a ao vazio, se jogando em seguida do apartamento do prédio em que mora.
      Raimundo, o porteiro, vê a grade se espatifar no asfalto poucos metros a frente da portaria do prédio. Sai assustado e olha pra cima tentando ver o que está acontecendo quando  novamente escuta outro forte barulho, só que seco. Ao virar-se em direção ao asfalto vê o corpo de Eduardo caído entre pedaços espatifados da grade de alumínio. 
Ao telefone sem acreditar no que acabara de ocorrer, Márcia em prantos diz: - Dra. aconteceu uma tragédia...

 
                                       Rio de Janeiro, Outubro de 2017.

Colaboração: (DR)
Nota: Amor de transferência - Na transferência, o paciente repete com o terapeuta os amores e os problemas de relacionamento que já enfrentou ao longo da vida - o fenômeno é simultaneamente uma resistência ao tratamento e um motor de cura, por isso, precisa ser manipulado pelo analista, que não pode envolver seus próprios sentimentos na questão.