SACA AS ROLHAS?

Eu precisava falar de rolhas, mas antes disso existiam pressupostos metafísicos, o vinho, por exemplo, que tinham que ser assimilados. Cuidei, portanto, da ansiedade recorrente a que sou acometido nessas ocasiões quando, inebriado por sonhos etílicos, vou construindo argumentos firmes, plantados no espaço sideral.

Eu precisava mesmo falar de rolhas, mas não se fala de rolhas quando surgem forças aglutinantes dentro da gente, assemelhadas às de um universo em expansão que, de uma hora para outra, passem a exercer um domínio constante sobre as nossas ponderações medíocres, dissolvendo o nosso estado de luto do mundo, nossas considerações amorfas e letárgicas, nosso temor de que fiquemos reféns das nossas próprias vísceras, da nossa própria existência tubular, daquela mesma que tem por fim apenas o excremento diário.

Eu tenho plena certeza de que precisava falar de rolhas, mas sob a égide de tais forças, desse torvelinho desconcertante, não se falam meias verdades. Mesmo que um desejo reacionário, desses que vivem na sombra, invada nossas entranhas e fira, como punhal forjado em gelo, atritando as nossas cordas vocais, incitando-as a produzir um discurso surdo, leucêmico. Mesmo porque antes o tempo, que é soberano, o tornará ressequido e ainda manteremos toda a altivez.

Definitivamente, eu precisava falar de rolhas. Antes delas, entretanto, e antes que Odorico Paraguaçu finalmente reencarnasse, pensei em observar as borboletas, o seu plano de voo. Supus, dessa forma, ter alguma chance de me sentir mais leve e, assim, poder postergar por mais algum tempo a introdução às benditas.

Imediatamente e irremediavelmente, eu precisava falar de rolhas, dessas daí, sobre a mesa, incluindo a que entrou gargalo adentro, mas... ainda não. Não sei, as rolhas sugerem o fim das coisas, provocam uma sensação de apoteose ingloriosa, e tudo começa a ficar estático: o que entrou não sai mais; o que saiu não entra mais; dá uma sede! A vontade que se tem é a de beber o mundo sem canudinho, como Coca-Cola gelada direto da garrafa.

Invariavelmente e sem maiores delongas, eu precisava falar de rolhas. Entretanto, percebi que já lhes tinha feito referências o suficiente: estavam bem servidas tanto as de cortiça, quanto as de material sintético; as de champanhe, de aguardente, de vinho seco, branco ou tinto, de vinho doce... as de vinagre? Claro, todas as rolhas do universo que, de certa forma, regulam ou bloqueiam fluxos, enfim, clamei para que se sentissem logo abordadas na plenitude de suas utilidades... plenitude de utilidades?! Interessante... Começo agora a perceber que as rolhas não existem impunemente...

Masé Quadros
Enviado por Masé Quadros em 26/09/2017
Reeditado em 18/10/2017
Código do texto: T6125794
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