FIM DA LINHA. COMEÇO DA VIDA
Terminal cheio, como de costume. Pessoas apressadas com vazios no rosto, voltadas a chegar ao trabalho. Estão ali de corpo presente, mas adormecidas de alma. A composição chega, os usuários embarcam e se acomodam nos seus segredos. A mecanicidade os avisa da estação a descer. Todos somos subjugados pelo dia a dia.
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No trabalho, parece que há um despertar do sono noturno. Ele ocupa o seu lugar para executar a tarefa rotineira, mais por necessidade que por vontade. É o preço da sobrevivência. O dia transcorre no relógio. Na cabeça, sequer estava ali. O autômato encerrou o expediente.
A viagem de volta é idêntica, com uma diferença: está alheio não pelo sono mas pelo cansaço. As plataformas continuam cheias de corpos ocos, porém as risadas, os sorrisos, as brincadeiras indicam que há alguma esperança de vida.
O celular avisa a chegada de mensagem pelo whatsApp. Foi conferir. “Onde vc tah?”. “Entrei Metro”, respondeu. “Avisa p te buscar”. Não faz questão que a esposa vá buscá-lo na estação de trem, mas ela insiste. Nos dias de frio e de chuva até que é bom, contudo avaliou que chegar mais cedo em casa é sempre bom.
Chegou na estação para baldear do metro para o trem. Sempre um momento de estresse. Uma multidão transitando pelo terminal, buscando chegar o mais rápido possível na plataforma de embarque - já cheia de usuários que esperam por uma composição já cheia - como se conseguisse entrar no próximo trem sem se importar com os que chegaram primeiro. Há ao menos uma fita limitando a zona de embarque, o que empresta alguma ordem ao rebuliço. Precisa vencer os que estancam na região das portas para ganhar o corredor, sendo um dos que atendem à suplica do fiscal: “Ocupem o corredor!”.
A viagem é relativamente rápida, de no máximo 25min. A sua é a 5ª parada. Passa o tempo lendo. Sua bolsa tiracolo tem sempre um livro. Às vezes, cansado, cochila entre um parágrafo e outro. Não chega a cometer a gafe de derrubar o livro, muito menos tombar pros lados. Sorri quando pensa nisso, imaginando o ridículo que seria.
Uma parada antes da sua já caminha para a porta seguindo os que descerão. Se não fizer isso não desce na sua, porque essa é bem movimentada. Posiciona-se o mais perto possível da porta. Quando não consegue, vai imaginando o que fazer para ultrapassar a muralha quando a porta abrir.
Desce, se ajeita todo, roupa, mala. Espera um pouco até que todos passem a porta catraca. Detestaria que lhe acertassem o calcanhar. Atravessa a passarela para chegar do outro lado da estação.
Sempre passa olhando os jardins da estação. Sente alguma coisa ao ver o gramado, as árvores de vários tamanhos e tipos, frutíferas e ornamentais, até as coisas velhas que aparecem quando aparam a grama. Tem também o pequeno brejo onde os pássaros vêm bicar os bichinhos pela manhã. Mas o que mais lhe encanta é a gigantesca seringueira próxima à cerca, e acredita que tenha feito um estrondo tremendo quando um imenso galho desprendeu-se (talvez por conta de um raio) e ficou caído com os “pés” presos na árvore. Até deixou à mostra um velho e obsoleto poste de pedaço de trilho ainda com os fixadores de louça da fiação da rede elétrica no alto.
Toda vez que se depara com a área do estacionamento lembra como era antes do calçamento, o lamaçal, na chuva, e a poeira, na estiagem. De qualquer forma, levava terra consigo, nos sapatos, nas roupas, na pele. Agora está urbanizada, com paralelepípedos bem fixados e nivelados, propiciando segurança, limpeza e beleza.
Avista o seu carro e sente um alívio misturado com prazer. Como se seguisse o velocino de ouro, encontrar-se com a esposa, seu amor, e entrar no carro, marca o final da linha de mais um dia de usuário de transporte público.