Conto Trágico

Lidar com a separação não é algo fácil… Toda separação é dolorosa, pois entranha em nossa vida a solidão pela ausência da pessoa com quem convivíamos.

A sensação que dá nesse tipo de perda é imensurável, uma vez que cada indivíduo a sente de uma maneira.

Um amigo é alguém que adentra nossa vida e ocupa todos os espaços que permitimos a ele se folgar. É alguém que nos conhece do avesso e entende quem somos sem cobrança, sem julgamento, sem expectativa de absolutamente nada. O amigo nos dá o conforto de que sempre existiram ali em nossa intimidade. O amigo talvez seja a pessoa que esteja mais perto de saber e conhecer exatamente como somos. É quem participa de nossa história como o coadjuvante essencial pra trama, por isso, ele precisa nos conhecer tão bem. Ver nossas maiores falhas e desvios e ainda assim, serem parciais a nós pelo simples fato de nos conhecerem.

Não sou uma mulher de muitos amigos. Tenho poucos. Sou cautelosa ao revelar as profundezas de quem de fato sou. Conto-os nos dedos de uma mão e, mesmo poucos, são meu abrigo seguro nesse estado de distaciamento da família. Por essa razão é tão difícil ver um amigo partir.

Eu conheci esse amigo pela internet. Éramos vizinhos. Mas não nos conhecíamos pessoalmente. Num rompante, decidimos que nos veríamos e quando nossos olhares se cruzaram, nossos sorrisos se encontraram, sabíamos que ali havia uma cimplicidade além da realidade. Algo mágico, metafísico nos envolveu num manto de confiança e não mais nos desgrudamos. Rimos, choramos e nos explicamos arrancando as vestes de todos os podres, de todas as vaidades e egoísmos e nos compartilhamos um com o outro. Com ele tive a primeira entrega total de minha vida. Com ele fui a pessoa que eu era somente quando sozinha. E uma cumplicidade gritante nos unia, nos ligava. Empreendia em nós a vontade de sabermos cada dia mais um sobre o outro.

Um relacionamento intenso, forte, ligado e interligado pelas mais concretas e dolorosas verdades. Uma conexão inabalável que ia do útil ao fútil. Do calar-se e ouvir; e do calar-se só para sentir um ao outro. Uma força sobrehumana nos ligava e nos transportava quase que imediatamente um para a necessidade do outro, ainda que não dita. Mas isso findou.

Repentinamente, … findou.

Meu amigo recebeu uma bala na cabeça. Ele foi alvejado no cérebro por um tiro. A bala, feita de material bélico potente que explode os miolos, conseguiu matar meu amigo. Inocentemente, meu amigo, tranquilo e alegre, andava pela vida com sua graça peculiar quando atiraram nele. Pedaços do seu cérebro se espalharam e mancharam sua estrada. Meu amigo foi atingido com precisão por uma bala de crack.