O homem, com aspecto meio matuto, tacanho, com roupas surradas entrou numa dessas lojas que anunciam muito na televisão e que vendem tudo à perder de vista. Facilitam até em quatro vezes uma simples faca. Uma coisa de louco.
 
Ele tinha o olhar sempre desconfiado e parecia entrar na loja com muita timidez, pois os vendedores, todos muito bem vestidos, engravatados, cheirosos e bem formados, não deram muita atenção àquele homem, que parecia vir de alguma roça.
 
Entrou e ficou olhando para os aparelhos de televisão. Parava em uma, roçava os cabelos raros, meio cabrero, olhava outra, seguia em frente. A loja tinha um número infindável de televisores todos ligados, dando a impressão de que uma imensa festa se desenrolava ali. Era som de um lado, televisão do outro, um caos, habilmente montado para vender os produtos.
 
E o homem - Genildo - andava de um lado para outro, olhando os televisores. Os atendentes se contradiziam. Um dizia:
 
- Vai lá atender aquele homem ...
 
- Não - falava a outra - vai você, não vê que estou ocupada -.
 
- Eu não vou não, esse homem é mais duro do que picolé - ironizou o outro vendedor.
 
Finalmente apareceu um rapaz, também meio tímido e que tinha pouco tempo de casa, e os mais antigos jogavam todas as chamadas " bombas ", para ele.
 
- Posso ajudar? - perguntou o rapaz, meio contrariado com sua sina.
 
- Pode sim, seu moço, disse Genildo, falando também meio tímido e com olhar indeciso.
 
- Pois não - respondeu o vendedor, apanhando um imenso bloco, já meio amarelado de suor, de tanto ser manuseado.
 
- Seu nome? - perguntou o vendedor -.
 
- Meu nome é Genildo da Silva Ferreira Costa.... Filho !
 
- Um instante só porque seu nome é muito grande. E lentamente o vendedor completou a linha e lá colocou o nome do homem.
 
Mas Genildo interveio: - mas moço, pra que preencher esse troço grande dessa maneira? Nós vamos ficar o dia inteiro...
 
- É... é bem capaz... da gente ficar aqui o dia inteiro ! - falou ironizando.
 
- O nome de seu pai? De sua mãe. E Genildo falou pausadamente o nome deles.
 
- O sr. é casado ? - perguntou o vendedor.
 
- Sim e não - disse constrangido - .
 
- Como, sim e não? - interveio o vendedor.
 
- É que minha primeira mulher morreu. E estou agora agora com a segunda mulher.
 
- E qual o nome dela? - perguntou o vendedor.
 
- Ah! - disse Geninho - isso eu não posso dizer.
 
- Por que não?
 
- Não posso dizer - insistiu Geninho - é coisa muito particular!
 
- Mas esses dados aqui são confidenciais, ninguém vai vê-los ! - retrucou o vendedor, sentindo que estava com uma bomba na mão.
 
- O nome dela eu não posso dizer - confirmou Geninho - é coisa muito particular. E não sei por que que pra comprar uma televisão a gente precisa dar esses dados todos.
 
- São normas da casa - insistiu mais o vendedor - sem esses dados eu não posso vender a televisão pro senhor! O sr. pode dizer pelo menos o motivo?
 
- Poder eu posso: ela é casada !
 
- Ah! disse o vendedor: quer dizer que o sr. vive com uma mulher casada?
 
- Fala baixo - disse Geninho já meio indignado.
 
- Mas estes dados são confidenciais, disse o vendedor.
 
- E vamos só imaginar, disse Geninho, que essas confidências todas vão parar nas mãos de uma pessoa que conhece o marido dela.
 
- Então o sr. é um bígamo ou está colocando chifres em alguém !
 
- Posso ser o que falou. Mas lá onde moro não têm esse negócio de chifres, não. Só se a sra. sua mãe usa um. Disse Geninho, quase na inocência. E seu pai é um pornógrafo - arrematou.
 
- E o vendedor já irritado - e desconfiando que o homem não ia comprar mesmo, preencheu um nome qualquer na ficha, inventou um sobrenome, o RG e outros dados, pra ver se aquela história acabava.
 
- Então tá certo - disse o vendedor - vamos passar pra frente.
 
- É melhor mesmo, disse Geninho. Eu vim comprar uma televisão e o sr. querendo saber nome disso, nome daquilo. E até minha mulher o sr colocou no meio !
 
- O sr. me dá seu CEP.
 
- Dá o quê - perguntou Geninho.
 
- O CEP ,... o CEP, o lugar onde o sr. mora.
 
- Ah! Moro na Vila das Camélias!
 
- Não quero saber o local, quero saber o CEP. - disse o vendedor .
 
- Ah! Isso a gente não tem não.
 
- Mas como não tem. Todo mundo tem um CEP!
 
- É, mas eu não tenho não..
 
- Quer ver como o sr. tem ! replicou o vendedor já nervoso - Vou procurar no computador e vou achar logo. Diz só o nome da rua..
 
- É Vila das Camélias onde moro. Lá não tem CEP.
 
- E o vendedor foi no computador e rastreou tudo e não achou nada.
 
- Bem, disse o vendedor. Nos Correios não tem esta Vila não. Então o vendedor colou qualquer CEP que lhe veio a cabeça.
 
- Só prá terminar - disse o vendedor, já furioso com o cliente - o sr. tem telefone?
 
- Não tenho não senhor. Com quem eu quero falar, mora perto de minha casa. Quando quero falar eu chego na janela e chamo por ela.
 
- Celular o sr. também não tem? - perguntou o vendedor já suando e os outros rindo pra valer, num canto da loja.
 
- Até que eu tinha um. Ganhei da filha da mulher que eu não posso dizer o nome. Mas nunca consegui falar naquilo. Tinha jogo, notícias, mulher nua, tinha de tudo só que eu nunca consegui fazer uma ligação. Aí joguei fora. Nunca tinha linha. Agora a lanterna era maravilhosa.
 
- Tá certo... tá certo... O sr. acabou de completar a ficha. Agora o sr. espera um pouco que vou levar esta ficha pro gerente aprovar!
 
- Aprovar o quê? - perguntou Genildo -.
 
- A sua ficha! Precisa ser aprovada - disse o vendedor.
 
- Mas eu vou pagar à vista ! - disse Genildo em sua inocência.
 
- Por que o sr. não falou logo.
 
- E Genildo: o sr. não perguntou. Quis logo saber o nome de minha mulher e não parou mais de tanto perguntar.
 
- É... é... tá bom - O sr. vai pagar à vista. Ótimo, maravilhoso. O sr. já escolheu a marca, o tamanho. Nós temos essa de 15 polegadas - e apontou para o produto - temos aquela de 17 polegadas e por aí vai. Para o sr. eu indicaria essa de 15 polegadas.
 
-É... titubeou Genildo - mas não era bem essa que estava pensando não...
 
- E qual que o sr. estava pensando?
 
- Naquela ali, de 120 polegadas !
 
- Aquela que está na vitrine?
 
- Essa mesmo. E o dinheiro tá aqui. Meteu a mão numa sacola e pôs em cima da mesa uma bolada de dinheiro.

Aí foi um corre-corre na loja. Quando os outros vendedores viram aquele monte de dinheiro, saíram correndo pra cima do homem. Um ofereceu cafezinho, doces, salgadinhos e pizza. Até o gerente apareceu.
 
- Nós estamos aqui para servi-lo - disse o gerente, empurrando suavemente o vendedor da cadeira.
 
- Vai precisar de um caminhão pra levar.... - disse o gerente sorrindo.
- Aí Genildo, pensou, pensou e foi incisivo: acho que não levar não. Vocês aqui gostam de futricar a vida dos outros. Querem saber de tudo. O rapaz ali queria saber até o nome de minha mulher e seu telefone. E tem mais uma coisa - finalizou - esse negócio de perguntar o nome de minha mulher não está muito certo, não.

E o gerente se desculpou assumindo a culpa. Peço desculpas pela sua mulher...

De novo ! Pombas não mete minha mulher no meio !

E Genildo estava indignado e continuou: pois fique sabendo sr. gerente, sua loja é uma m... e o sr. vai se f.... Eu vim comprar uma televisão e vocês só querem saber onde moro, o nome de minha mulher, que é minha amante...

Pedimos mil desculpas, disse o gerente.

Genildo colocou o dinheiro na bolsa de papel e deixou a loja.

Naquela manhã, pelo menos , por um minuto, se fez um absoluto silêncio de desolação naquela loja de eletros.


 
José Kappel
Enviado por José Kappel em 22/04/2017
Reeditado em 24/05/2017
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