O Besouro e Eu
Acordado, mais uma vez acordado, o quarto escuro iluminado apenas pela luzes noturnas que escorrem por baixo das persianas, banhando o tapete nas primeiras pontas, acendo minha luz de cabeceira e abro a gaveta de baixo do criado mudo; livros, revistas velhas, algumas bitucas de cigarro estão amassadas em cima de um álbum de fotografias antigo, nele fotos minhas quando criança; no aniversário que chorei, minha primeira bicicleta, a menina que dançou comigo na formatura do primário, minha primeira paixão, meu batismo, minha família, Todos sorriem. As sensações que me trazem vem aos poucos, em ondas, vindo as vezes mansas, as vezes violentas, eu suspiro. Uma me chama atenção, é uma que guardo até hoje perto da máquina de escrever, uma foto minha em umas das minhas descobertas; um pequeno besouro preto com listras brancas saiu do galho e pousou em meu dedo, lembro de me perguntar "como seria a vida de um besouro?" Voar por aí, cheirando as rosas e o orvalho, me escondendo da chuva que não me deixa voar, escapando da aranha e suas teias de cristal, pousando em dedos, dedos gigantes em que passeio, dedos ligados aos braços que me levam para perto de um olho, que me estuda, me disseca, tento fugir dali, mas os dedos parecem não ter fim e o olho me segue, me devorando vivo, até hoje tento escrever sobre a experiência de ser o besouro que fugia ao mesmo tempo em que era as mãos e olho que o perseguiam, gosto da foto, mas a história do besouro não vai ser contada, as palavras parecem não querer sair, como se guardassem comigo uma confidencia profunda, que guardassem comigo a história do besouro e eu.