O despertar de um pesadelo
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, 16 de fevereiro de 2017
Tocaram a campainha da porta. Mariana se ajeitou para atender. Apesar de seus 55 anos, guardava espírito de uma adolescente de 20 anos, cantarolava músicas jovens a todo instante. Foi assim cantando que ela abriu a porta. Seu rosto se desfigurou, seus lábios e suas rosadas belfas tremiam, quis fechar a porta, mas o pé do visitante a impediu. De repente, sua mente a faz retornar 25 anos. Confusa, tenta relembrar àquela fisionomia. À sua frente uma tela branca se abre, as primeiras cenas de um filme de horror abrem a sua memória, ela se reconhece como protagonista dessa grotesca fita.
Mariana participa aos seus pais, que está grávida. Um reboliço dentro de casa. O pai anuncia: se não casar vai ter que sair de casa! Ela, garota de 18 anos, sem experiência de vida, o que fará se os pais a enxotarem de casa? Vai conversar com o namorado, um garoto, também inexperiente, mesma idade dela que afirma não ter falado com a família dele, e que teme a mesma reação, pois já são muitos em casa e a família é pobre, não tem como receber mais dois moradores.
O drama estava instalado, as cenas seguintes são as do casamento, da mudança do marido para morar com os sogros, que as pressas improvisaram um quarto para o casal, o nascimento da filha e a acomodação do marido, já que ele recebia tudo dos seus novos mantenedores, os pais de Mariana. Veio a segunda filha, mais despesas, menos comprometimento do marido. Por isso, o casal vivia em brigas homéricas, ela sempre apanhava e aguentava calada, por causa das filhas e para não preocupar seus pais.
A revelação, Mariana descobriu que ele tinha uma amante. Ela não se fez de rogada, mandou o indivíduo cair fora e leva suas tralhas. A reação dele foi:
— Era isso mesmo que eu queria — argumentou de modo zombeteiro. — Elza é melhor que você, mais bonita e me ama de verdade, completou, já saindo do quarto com uma mala e suas roupas.
— Eu nunca mais quero vê-lo por perto, retrucou Mariana. Foram as últimas palavras que ela dirigiu àquele homem.
Agora ele estava ali bem próximo a ela, cara de doente, maltratado, depois de 30 anos sem se verem. Ele implorava que o deixasse entrar. Ela segurava a porta com firmeza. Seu pé já estava ficando dormente e dolorido, mas ela permanecia na mesma posição.
— Eu voltei para morar com você e minhas filhas — destilou ele a primeira chantagem. — Eu sinto muito a falta de vocês. Essa casa agora é grande e cabe mais um, estou adoentado, quase terminal, completou o homem, em forma de súplica.
— Aqui você não entra nunca mais, estas palavras eu disse para você naquele dia em que descobri sua traição. Você me respondeu que jamais iria precisar de mim, de minha família, assentou, calmamente, Mariana.
— Elza não me quer mais, porque estou doente. Ela diz que a esposa verdadeira é quem tem responsabilidade sobre o marido, não vou trazer complicações para vocês, eu só quero um lugar para terminar os meus dias de vida, falou mansamente o homem do outro lado da porta.
— Volte para Elza, a quem você deu boa vida por todos esses anos. Eu trabalhei duro para ter o que temos hoje, eu e minhas filhas. Elas também trabalharam e estudaram, hoje são duas profissionais da saúde, respeitadas. Eu não sei se você sabe, uma é médica e a outra é enfermeira. Eu suei muito para que elas chegassem onde chegaram, completou Mariana, pedindo licença para fechar a porta: — Se você não sair já, eu chamo a polícia!
Cabisbaixo, o homem deixou que ela fechasse a porta, desceu os três degraus que davam acesso à entrada da casa, atravessou a rua. Ela nunca mais ouviu falar daquele homem que por alguns anos fez de sua vida um horror.