Um doce para um quase assassino
Era eu e mais um atravessando uma faixa de pedestre. O sinal estava fechado para nós pedestres. Atravessamos a avenida sem carros, até que veio veloz o dono da faixa quando o sinal esta aberto para ele.
O dono do sinal aberto veio com tudo pra cima de nós. Veio mais rápido que o normal como alguém afoito a preservar e lutar como um urso pelo pequeno espaço a ele dado pelo sinal aberto. De dar uma lição aos pedestres lhe roubando seu pequeno e momentâneo espaço.
Não senti raiva e nem o outro que comigo atravessava. Nem olhei, gesticulei, só me concentrei no meu caminho sem perder o foco.
Me hospedei em um hotel em Contagem hoje, até que encontrasse um apartamento para alugar. A recepcionista me deu uma cocada de brinde pela escolha do hotel.
Num plástico simples e um laço de presente, aquela cocada me alegrou mas não me convenceu quanto ao possível sabor. Dentro do quarto sem ter o que fazer comi. Doce e simples, um gosto duradouro despretensioso e alegre.
Queria ter oferecido este doce àquele motorista. Mas pelo menos não ofereci ódio e nem desejo de vingança. Faltava-lhe o doce da vida, perdido nos goles amargos do cotidiano, das perdas, do estresse e da violência da competição.
Ao motorista lhe ofereço este texto, que não é um doce, mas que é doce em seu perdão.
Se você do Uno veloz marrom, que se precipitou sobre pedestres com seu veículo para garantir seu "direito" e nos punir pela ousadia de te desafiar, saiba que só queríamos chegar. Assim como você.
Só que tanto nós quanto você podemos nos distrair do objetivo da viagem e fazendo coisas que nos atrasem ou mesmo desviem nossas finalidades.
Pra onde você vai? Pra onde a pressa esta te levando? Quando comprou este carro se sentiu feliz, foi a um monte de lugares legais e ganhou tempo de fazer outras coisas. Agora este carro te deixa mais infeliz, te deixa desumano, com vontade de matar e se vingar.
O que era uma dádiva que te dava tempo, orgulho e desfrutes, hoje te dá ansiedade, obrigações e situações que lhe despertam ódio e violência.
Vê em nós pobres pedestres de carne, osso e sangue uma ameaça a você protegido por quilos de aço e potência. Não quer andar com a gente? Já andou como a gente? Por que não vem conosco?
Desça deste carro. Venha sentir seus pés no chão. O sol sobre seu rosto. O tempo do seu corpo, das suas pernas, o ritmo dos outros, do andar dos outros sobre esta terra.