Meus cachorros
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 7 de fevereiro de 2016
Sempre olhei com desconfiança para quem maltrata animal, qualquer que seja ele. Também nunca tive vontade de criar um cachorro dentro de casa. Entretanto, por duas vezes, dei-me a esse prazer, a primeira foi quando meus filhos ainda eram pequenos. Morávamos em Itabuna, Bahia, era o ano de 1978.
Meu filho, Ricardo, então com três anos de idade, ganhou uma cachorrinha, acho que uma Yorkshire. Todos ficamos encantados com aquele animalzinho peludo e cor do pôr do sol, mesclado com alguns pelos pretos. Com poucos meses de nascida, a Kika, assim a batizamos, em homenagem à uma cachorrinha parecida com ela, com a qual convivi por alguns anos, durante minha infância, portava-se obedientemente, mas era muito brincalhona.
Minha filha mais velha, naquela época com seis anos, era a única que nem chegava perto da filhotinha, tinha medo. Ricardo e Renata, viviam brigando para ter o privilégio de segurá-la, Renata quase sempre ganhava a disputa, o que levava Ricardo a se desesperar e cair no choro. Nessas ocasiões, tínhamos que distraí-lo conseguindo outro recurso para ele brincar.
Quando Renata estava na escola, Ricardo reinava junto à Kika. Segurava-a com carinho, conversava com ela e a fazia descer uma escada de mais ou menos dois metros, que dava para o quarto de sua babá. No início, a cachorrinha relutava e ele a empurrava degrau por degrau. Ele descia essa escada sentado e com muito cuidado para não cair. Depois de dias de treinamento, a perrinha já descia com desenvoltura e sempre chegava lá em baixo primeiro, Ricardo ficava furioso. Um dia desses, de fúria, ele tentou, já nos últimos degraus, ultrapassar a endiabrada cachorrinha. Ao fazer isso, se desequilibrou e rolou escada abaixo. Felizmente, a cachorrinha o esperava lá em baixo e se deitou para amortecer a queda do amiguinho, que nada sofreu. A cadela saiu mancando de uma perna e ficou assim por algumas horas. Ricardo chorava muito e dizia ser ele o culpado. Levamos o animalzinho ao veterinário, que constatou nenhum problema com ela.
Kika morou em nossa casa por mais dois anos, e nesse período fez a alegria da casa. Infelizmente, fomos transferidos para Belém, a trabalho, e tivemos que nos separar. A cachorrinha foi entregue ao irmão de Uilma, que a levou para a cidade onde ele trabalhava, e ela passou a viver em uma estação experimental da Ceplac, leve e solta, pois agora tinha uma imensa área para brincar. O cunhado, entretanto, nos reportou que ela chorou por vários dias, por certo, com saudade das crianças.
O segundo cachorro foi um Dálmata, conhecido como cheio de energia, brincalhão, fácil de fazer amizade com outros cães, com pessoas e outros animais.
Antes de comprar o Dálmata, ficamos sem cachorro por alguns anos. Agora morávamos em Belém, Pará, em apartamento, e trabalhávamos distante de casa. Às vezes, nem mesmo voltávamos para casa para o almoço. Assim, ficava difícil cuidar de um cachorro ou qualquer outro animal. As crianças já davam muito trabalho, era aula de balé, de karatê, para o Ricardo, e Inglês, além das aulas do colégio. Mas, as crianças imploravam por outro cachorro, ainda sentiam saudade da Kika.
Um dia a Uilma viajou para participar de um congresso profissional no Rio de Janeiro. Os apelos das crianças por outro cachorro se intensificaram. Eu não resisti e comprei o que elas acharam mais lindo. Elas diziam:
— Pai, olha que lindo esse branquinho de pintas pretas!
Eu perguntei, talvez para tirar de mim a responsabilidade total pela compra do cachorro:
— É esse que vocês querem? A resposta foi unânime e veemente. — Sim, sim, sim!
O dono do canil, mais que depressa e sem qualquer explicação, pegou o pequeno animal e colocou nos braços de Renata, a mais entusiasmada naquele momento. Ricardo pulava de alegria e Roberta, um pouco desconfiada, esboçava um sorriso de aprovação.
Levamos o animalzinho para casa, fizemos o seu batizado, que na pia batismal improvisada, recebeu o nome de Igor, relembrando um cachorro muito bonito de minhas primas de São Paulo, elas criavam dois, o Igor e a Fedra, não sei dizer as raças deles.
Naquela noite não conseguimos dormir, o cachorro chorou à noite toda. E assim foram as duas outras noites. Quando Uilma chegou, não aprovando a nossa aquisição, ordenou que eu levasse, já pela manhã do outro dia, aquele cachorrinho para o nosso sítio, localizado em Ananindeua, próximo à Belém. Foi o que fiz, mandei fazer uma casinha de alvenaria para ele e o deixei lá.
Igor cresceu, virou realmente um belo cachorro, branco com bolinhas pretas, esfericamente perfeitas, que indica, para alguns conhecedores, pureza. Especialmente dedicado ao dono, extremamente dócil e amoroso, reconhecia a aproximação do carro, a partir de nossa entrada que dava acesso ao nosso sítio. Íamos para lá aos sábados e/ou domingo, à nossa aproximação ele respondia com latidos fortes, só se aquietando quando eu descia do carro e me aproximava dele. Não sei explicar essa relação, pois poucas eram às vezes que me aproximava dele para fazer carinho, ele era grande e pesado, tentava pular sobre mim, se eu não me afastasse ele me colocaria no chão.
Em dado domingo, ao chegar no portão do sítio, procurei ouvir os latidos do Igor e não capitei. Desconfiado, fui direto para a casa do caseiro, que me informou ter o cachorro se soltado da coleira, que o prendia quando ele abria o portão, e, encontrando este aberto saiu em disparada pelas ruas da redondeza. Igor nunca mais foi visto, nem pelo caseiro e nem por ninguém que habitava aquele local. Acho que ele foi vendido pelo caseio, para alguém que por ali passava e se interessou pelo belo cachorro. Essa desconfiança aumentou, quando percebi a falta de algumas madeiras para construção que eu guardava no sítio e as encontrei em terreno que o caseiro havia invadido – com outras pessoas – perto do nosso sítio. Encontrei as madeiras justamente no lote que ele dizia ser dono.