Amém !
Era como era, e não sabia se poderia ser de outro jeito. Conformava-se facilmente com as dificuldades que não eram transponíveis em sua vida, achava que estaria onde deveria estar, e faria exatamente o que deveria fazer, assim como Deus colocou em seu caminho.
Mas a vida não lhe era de tudo ruim, era uma bem-sucedida catadora de papel, não tinha filhos e nem marido, enfim, não tinha vida.
Acordava todos os dias pela manhã com o barulho do rádio-relógio que funcionava com eletricidade, que vinha de um emaranhado de fios do poste da rua asfaltada mais próxima.
Sua casa era muito simples, havia apenas um colchão já velho e corroído pelas lacraias, uma cadeira com 3 das 4 pernas já corroídas pelo tempo, a cadeira suportava sobre si uma pequena Tv de 14 polegadas ao lado de seu velho colchão ficava o escandaloso rádio-relógio, as paredes rosadas eram todas de madeira que antes de formar um barraco parco de higiene serviam para isolar locais em construção.
Naide era seu nome de batismo dado de bom grado pela médica que havia feito o parto de sua mãe, pelo menos era essa a história que sabia.
Apesar de toda a sua desventura, era religiosa, e comparecia sempre aos cultos, todas as terças, quintas e domingos, como era mirrada e com a aparência desagradável, não era notada pelos irmãos de fé que lotavam a velha garagem que tinha um pequeno palco e um parlatório com um microfone.
Passava sempre despercebida entre as pessoas, mas conhecia todos por nome e fisionomia, sua memória era impressionante.
Quinta-feira, 18:30h., estava terminando de colocar a sua longa saia para ir ao culto aquela noite, o cabelo estava preso com alguns velhos e enferrujados grampos de cabelo, calçava uma sandalha, o único sapato que tinha, presente de uma mulher que se apiedou com a sua situação.
18:45h., tinha que subir uma ladeira ingrime para chegar ao local do culto, seu passo era curto mais rápido, como o passo de uma formiga e tão insignificante quanto.
O culto correu normalmente, quase ao fim ouviu-se sirenes da polícia e muitos tiros. O culto se finalizou com um grande “Amém”, seguido de um “Aleluia”, e todos fizeram o movimento inverso, ninguém saiu da Assembléia de Deus, a polícia havia feito uma barricada em frente a porta e estava trocando tiros com os bandidos.
Morrendo de medo de perder aquilo que não tinha, Naide correu ladeira abaixo para se certificar o que ainda restavam de seus pertences. Entre seus passos curtos e rápidos, Naide parou bruscamente sentiu uma dor insuportável ao lado direito pelas costas, uma bala atravessou as suas costas e alojou-se no coração.
Naide não teve últimas palavras por que não sabia o que falar, mas sentiu-se incrivelmente feliz por pelo menos uma vez na sua vida ter sido notada pelas outras pessoas, mesmo que fosse uma vez.
O alívio da morte chegou, respirou fundo, sorriu, deitou a sua cabeça no asfalto e fechou os olhos para nunca mais abrí-los.