Dez contos, com descontos?
Finzinho de maio de 1958, ante-véspera de nossa mudança do povoado do Brumado para Pitangui, passadas a janta e a Hora do Brasil, o futuro morador da casinha que íamos deixar, o Fábio, apareceu lá com a mulher, a Maria do Duca, para acertar com papai os termos da transferência.
A casa era propriedade da Companhia de Tecidos, mas as benfeitorias que papai lá fizera poderiam ser negociadas. Não eram muitas, mas valiam uns cobres e o entendimento era aquele com que as duas partes afinal concordassem. No menu das negociações entravam uma cozinha, puxada como crescente ao plano original, uma cisterna sob uma coberta, um forninho de tijolos, os tacos no lugar do piso de tijolos, galinheiro, paiol...
Enquanto Maria, mamãe e Maria do Duca se ocupavam duma pauta variada de assuntos domésticos num canto da sala, noutro papai e Fábio, foram se assentar. O tampo da máquina de costura Singer lhes servia de escrivaninha para as eventuais anotações e cálculos. Fiquei por ali, fascinado pelo que ia se desenrolar.
À primeira manifestação de papai: a cozinha, eu, no embalo do sonho imobiliário, do alto de meus quase oito anos, sentenciei: dez contos!
Papai, estarrecido com minha impetuosa petulância, mandou-me calar - se quisesse ficar por perto. Obsequiosamente, como mais tarde faria Leonardo Boff diante do todo-poderoso Cardeal responsável pela Doutrina da Fé, Ratzinger, fiz boca de siri. Mas permaneci inamovível. Só a lágrima, esquiva, foi furtiva.
Ao cabo de uns quarenta minutos de explanações e perguntas, os dois pais de família chegavam a um acordo: dez contos! Fábio fez umas considerações, invocando amizade e os desafios de quem estava apenas começando a constituir uma família e conseguiu um polpudo desconto:
dos dez iniciais, convieram nos oito finais.
Tacitamente, conforme orientado a fortiori, concordei. Mas achei uma pechincha.