O pôr do sol

O pôr do sol estava belo naquele final de tarde. Miguel estava sentado na beirada da ponte refletindo sob a nuvem de fumaça que saía do cigarro. O terno estava amassado e os sapatos sujos de lama, o hálito jazia forte e os óculos escuros já falhavam em esconder sua tristeza e suas profundas olheiras.

Ele olhou para o rio abaixo de seus pés e pensou um pouco mais. Observou os pássaros voando para o norte e os poucos barcos navegando pelas águas. “Talvez pôr um fim nisso tudo seja o melhor a se fazer. ”, pensou enquanto dava uma longa e suave baforada. “Morreria sob um lindo pôr do sol”. A ponte estava deserta, as poucas pessoas que passavam nem sequer pensavam em falar com um estranho sentado na beirada da ponte. Talvez tudo que Miguel precisasse era de alguém que o impedisse, que o entendesse, porém, esse alguém certamente não existia ou, caso chegasse a existir, sequer viria.

E começava a lembrar de sua falecida esposa, de seus crimes, de sua empresa na falência e da alta classe criminosa que procurava aos quatro cantos do mundo sua cabeça. Lembrava até mesmo de quantas garrafas foram ingeridas na noite anterior, de quantos maços de cigarros foram fumados... de sua imagem pálida e embriagada refletida no espelho do banheiro enquanto os olhos avermelhados ardiam a todo momento.

Tirou os óculos escuros e os sapatos. O cigarro foi jogado abaixo. “Fui ensinado de que os suicidas são covardes... agora vejo a coragem que alguém tem em tirar a própria vida. ”, disse já com lágrimas nos olhos. Colocou-se em pé e olhou novamente o sol enquanto se punha, observou seu brilho quente e alaranjado, jogando energia a Miguel constantemente, por um momento um sorriso, mesmo que tímido e ligeiro, lhe escapou. Jogou-se, deixando tudo para trás... resolveu dar um último descanso a seu corpo fadigado nas águas enquanto o sol se punha lindamente. E agora, nas águas claras do rio jazia o corpo inerte e sem vida de Miguel.