Lição de casa.

Nem bem amanheceu e fui logo atingido por um forte raio de luz que dividiu meu rosto ao meio. Um lado ainda sonolento, bocejava, enquanto o outro, resmungava por não consertar aquela fresta que me atormentava todas as manhãs.

Mas nem a cara amarrada me impediu de saltar da cama, devido a uma promessa feita a minha mãe que morava em outra cidade: Não chegar atrasado no meu primeiro emprego.

Dei de cara com o espelho no banheiro, mas nem olhei: já conhecia aquela figura despenteada nos últimos anos de Colégio Técnico. Também pudera, dormia tarde estudando e acordava sempre atrasado.

Mal dava tempo de comer uma banda de pão com um Nescau frio e saía porta afora, tropeçando sempre no mesmo vizinho, que pelo olhar, reprovava com razão meu atraso diário.

Mas, naquele dia em que aprendi a lição mais importante da minha vida, decidi, das duas, uma: ou corria e alcançava o ônibus ou marchava a pé até o próximo ponto. E assim foi, exaurido da corrida, vi um resto de ônibus se afastar e senti um arrependimento, prevendo um desastre: meu primeiro desemprego.

Mais 5 km a pé, alcancei o próximo ônibus, subindo ofegante no último lugar em pé que restara. Foi quando, atrás de mim, um rapaz esguio, barba malfeita, roupa surrada, com a mão levantada segurando um pacote, falou bem alto, chamando a atenção de todos:

- Bom dia, senhores, não gostaria de atrapalhar, mas eu poderia estar roubando, matando, mas estou aqui vendendo esses doces... – disse ele, repetindo um chavão bem conhecido...

Um burburinho ecoou na lotação. Uns disfarçavam... outros fingiam conversar com a pessoa do lado... enfim um silencio humilhante tomou conta dos passageiros...

Ao meu lado um senhor, de soslaio, confidenciou: “Ah é? ... poderia estar roubando?”, como assim? - Por que não arruma um emprego? É jovem, tem saúde... quem compraria doces uma hora dessas? Vai ver, saiu da cadeia.... Que país é esse? Resmungou, repetindo um chavão muito mais conhecido.

A princípio concordei e balancei a cabeça num movimento afirmativo, mas, num instante seguinte, uma lembrança me tocou... uma angustia me invadiu com um calafrio.

Corei e me encolhi envergonhado. Cabisbaixo, arrumei minha camiseta amassada... passei a mão no cabelo e no rosto para disfarçar uma lágrima. Desviei o olhar fora do ônibus e procurei um ponto de apoio para não cair, quando o ônibus parou.

Vasculhei em vão no bolso um trocado para comprar um doce, mas o rapaz tinha descido rápido sem vender nada, ficando no ar somente a frase da minha mãe dizendo:

- Meu filho, vai com Deus, mas não perca o horário por nada desse mundo. É o seu primeiro emprego...você é jovem, tem saúde e não sei por quanto tempo poderei fazer doces para bancar seus estudos.