Mundo e mundo...

Em sua obra Minha terra, minha gente, Joaquim Zacarias Cargozinho, nascido em 1916, conta-nos, com fluidez e espontaneidade, relatos e fatos que vivenciou em seu torrão natal, a Abadia dos Monjolos, que, elevada a cidade em 1938, passou a chamar-se Martinho Campos. O que segue abaixo é um apanhado de um capítulo sobre a chegada da ferrovia ao então povoado, em 1893.

Foi uma revolução, tanta gente nova envolvida na operação da linha férrea que se inauguraria em 1894. Em meio à multidão de trabalhadores portugueses, espanhóis, nacionais e alforriados, onde até o maquinista original, Cezarino, é citado, o clima de festa era contagiante. Oportunidades abriam-se para o comércio, a indústria, a educação, a lavoura, quase que da noite para o dia.

O posto avançado da Abadia, alcançado agora pela EFOM - Estrada de Ferro do Oeste de Minas - estendia-se a cidades vizinhas como Dores do Indaiá, Bom Despacho, Quartel de São João, Quartel Geral, Abaeté e outras povoações vizinhas - que ainda não dispunham de ligação ferroviária - por meio de tropeiros que se encarregavam de distribuir e de retornar carga pela região.

A súbita concentração de forasteiros na então pacata Abadia começou a trazer problemas de vária ordem. Embebedados, tropeiros e ferroviários assediavam as mulheres da sociedade local, perturbando a ordem moral e social vigente. Na linguagem de Cargozinho, a Abadia era naquele tempo ainda um lugar de gente honesta, e por isso não tinha as mundanas.

A sinalização da paz, contudo - na mesma avaliação do historiador Cargozinho, para a redenção e paz das famílias - surgiu com a chegada de duas cafetinas, Lourença Pintada e Maria Torresma que puseram os devidos cabrestos na macharia forasteira e arruaceira. Ainda consoante Corgozinho, elas se estabeleceram no ramo de bordéis superlotados de lindas e jovens meretrizes, importadas, à altura de satisfazer quantos homens delas se

necessitassem.

Quando enferma, no leito de morte, Maria Torresma teria reagido ao padre que tentava ministrar-lhe os sacramentos finais, repelindo-o:

- O diabo comeu a carne, agora que ele coma os ossos...

Com o diabo aparentemente aquietado pela oferta de Torresma, no tempo devido, Mulatinha e Maria Capoeira assumiram a cafetinagem, sucedendo às pioneiras.

Estavam salvos a moral e os bons costumes.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 12/10/2016
Reeditado em 13/10/2016
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