Trinta e um dinheiros

Quando, na reta final de 1965, ainda imberbe - e cheio de inveja das espinhas e costeletas do colega William Santiago - anunciei em casa a proeza de haver concluído a quarta-série ginasial, papai rejubilou-se. E prontamente determinou que a hora era de provar-me no trabalho.

Ato contínuo, obteve do gerente Higino a autorização para que eu passasse a pertencer as hostes produtivas da Cia de Tecidos Pitanguiense. Irrecusável proposta.

Com o escritório da empresa já devidamente lotado, meus dotes laboratícios seriam aproveitados na função de analista da resistência dos fios. A titular da função, Zélia Franco, com júbilo e mais pressa aínda - pois estava por se casar - adestrou-me competentemente nos truques do negócio.

Com meus 15 anos eu já fazia jus a um expediente de dois turnos que totalizava 8 horas diárias, e a meio-salário, que era de exatos 30 mil cruzeiros mensais. Inicialmente, sem descontos ou carteira assinada.

Louvado na destreza de Zélia, que cumpria todo o ritual analítico dos fios em duas horas, esforcei-me diuturnamente para imitar-lhe o desempenho. Minha melhor performance totalizou um tiquinho menos que três. Dei-me o desconto por ser canhoto, e já tava achando danado do bom ter uma saleta cheia de aparelhinhos manuais de medição só para mim. Só não, pois estava sempre à disposição do gerente Manoel Alvarenga que vinha, quase que diariamente, avaliar meu trabalho. Uma única vez achou um erro de substância, crasso para um ginasiano formado. Observou, com olhar grave, mas a repressão verbal não foi além do suave.

E continuei a testar as linhas. Nos breves momentos de coleta de material, ia-me enturmando com os trabalhadores das mais variadas seções, da cardadeira à fiação. Invariavelmente tinha a cooperação de todos, e a gozação impiedosa por ser torcedor do Pó-de-Arroz, num meio em que predominavam - e predavam - rubronegros e botafoguenses...

Quando fui receber meu segundo ordenado mensal no escritório, Marcinho do Bilico, já veterano ali, passou-me às mãos o bolo de 30 cabrais, amarelinhas as taís e, assim que conferi e fiz menção de sair, agradecido, Marcinho chamou-me. Dei meia volta e o encarei: ele tinha nas mãos uma nota de mil cruzeiros e ma passou, dizendo que era uma bonificação do chefe do escritório, o Pedro Xavier.

Tentando pilheriar eu lhe disse: mas você me chama aqui de volta só por um conto de reis...?

Meu chão ruiu: Bilico tomou aquilo como uma desfaçatez de minha parte e assinalou que só não contaria para o chefe pela amizade que me tinha e pela consideração com meu pai.

Não tentei explicar. Não ia colar. Só ia calar. No meu silêncio obsequiso, no mês seguinte fui pro seminário pra meus pecados expiar.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 30/09/2016
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