O nascimento de um herói no fim do mundo.

Na época em que nosso Juruna nasceu tudo estava prestes a se acabar. Todos viviam assustados com o fim do mundo. Como era virada de século, dizia à crença que quando chegassem os anos 2000 tudo iria desaparecer e toda a vida na Terra iria se acabar.

Os pais de Juruna, dona Josefa e seu Joviano, viviam apavorados com esta história de fim de mundo. Vocês sabem como são os sertanejos, como já dizia Euclides “o sertanejo é antes de tudo um forte”, mas para essas coisas de fim do mundo não tem fortaleza que resista e o casal vivia preocupado com o futuro do menino.

__ Joviano home o que vai ser de nosso menino! Dezembro tá chegando, talvez nem nasça, talvez nós nem vê a cara do nosso fio, home de Deus!

__ Num se aparrei não muié! Vamo colocar nas mãos de Deus e ele toma de conta. Num vai morrê né todo mundo! Se fosse só nós, mas vai se acabá é tudo muié, tu num escutô no rádio não, o home do rádio disse.

Dona Josefa já tinha pensado até em fazer alguma besteira com o feto para que não viesse ao mundo. Muitas vezes pensou em tomar umas garrafadas com umas beberagens para perder a criança, mas como era uma mulher de muita fé, acabava desistindo da ideia e colocava todas suas esperanças que tudo daria certo. Ficava pensando que quando desse meia noite do dia 31 de dezembro ia para o alto da serra com seu Joviano e o filho, porque se o mundo fosse se acabar com água, eles demorariam um pouco mais a morrer. Se fosse acabar tudo com fogo, eles também acreditavam viver mais um pouquinho, devido está no ponto mais alto da serra.

E chega a tão esperada e apavorante data. Chega o dia do juízo final. Ainda de madrugada seu Joviano vai até o chiqueiro das cabras e solta todos os animais e se despede dos bichos com lágrimas nós olhos.

__ Tanto que gosto dos meus bicho e se acabá tudo desse jeito, sem a gente nem sabê cuma é. Xô Mimosa! Sai pra lá Fuscão Preto deixa o Caçarola em paz. Vão aproveitá o restim de vida que cês tem no mato, pois amanhã nós tamo tudo morto.

Dona Josefa no quarto, deitada em sua rede, cabisbaixa, pensativa, com o olhar distante, num tempo que só ela seria capaz de descrever.

__ Tanto que gosto da vida, do meu vei, do meu menino que num vi ainda. Tudo se acabá desse jeito. Tomara que meu fio nasça, antes que tudo se acabe.

Lá de fora, seu Joviano escuta os gritos da mulher. Uma mistura de medo, de alegria e desespero num som abafado vido da alcova do casal.

__ Que qui tu tem, muié? Já dixe pra tu se conformá. Tá vendo que é a vontade de Deus.

__ Já me conformei, home. Eu tô é sentindo uns aperrei, umas dor aqui no bucho, no pé da barriga, aqui acima dos vazie.

__ Será o nosso fie querendo nascer muié. Será que Deus vai concedê pra nós essa graça de vê nosso menino.

Dona Josefa passa todo aquele dia com muitas dores. Como moravam no meio do mato, não tiveram nenhuma ajuda. Somente seu fiel companheiro o tempo todo a seu lado.

__ Num se avexe não minha veia. Tenha paciência que tudo vai dá certo. Antes que se acabe tudo, nós ainda vamo vê a cara do nosso menino.

__ Eu sei home. Se acalme também. E já é que horas, home? Já tá perto da mea noite?

__ Já tá perto sim, mas tenha fé que você vai conseguir. Antes da mea noite nosso moleque nasce.

E aquele dia foi todo de sofrimento, tanto para dona Josefa, quanto para o seu Joviano. Passaram todo o dia apreensivos e no dilema de ver o nascimento do filho e o fim do mundo, sem saber o que aconteceria primeiro. Justamente nos primeiros minutos do dia primeiro de janeiro do ano dois mil dona Josefa dá a luz ao pequeno Juruna. Nasce, pesando quase quatro quilos e uns setenta centímetros de comprimento. Um menino robusto, forte, o choro parecia de um toro berrando, pele morena como as dos pais, umas poucas mechas de cabelos encaracolados, olhos grandes e castanhos claros como os olhos de sua mãe.

__ Oia, Josefa! Vê o nosso menino? Como ele é bonito. Tem os teu zoios muié. Cê tá bem minha veia?

__ Traz o meu fio pra mim, Joviano. Bote ele aqui no meu colo. Dexa eu vê pela primeira e última vez nosso menino. Parece que o mundo num vai se acabá pra todo mundo não, mas pra mim, acho que é o fim.

__ Diga bestagem não minha veia. Nós vamo é cuidá do nosso fio, já que foi só história que o mundo ia se acabá, pois o dia já tá é nascendo e o Sol raiando. Os passarim tudo cantando, o vento lá fora soprando e nosso fio nasceu, Josefa.

__ Nasceu meu vei. Agora cê cuide dele direitinho. Ele já mamô, quando eu não tivê mais aqui, cê tira os leite das cabras e dê pra ele. Cuida do meu menino, home.

__ Se avexe não miué. Acorde Josefa. Fale comigo muié. Num me dexe aqui só não minha veia. Josefa...

Após uma forte hemorragia dona Josefa não resiste e morre de parto ao dá a luz Juruna, deixando os dois, pai e filho, a mercê da sorte. O fim do mundo chegou apenas para dona Josefa, mas deixou sua semente sobre a Terra, seu filho Juruna e nós iremos acompanhar seu desenvolvimento e seu crescimento a partir das próximas histórias.

FIM. (por enquanto).

Pedro Barros - 12/07/2016.

Barros Nasimento
Enviado por Barros Nasimento em 12/07/2016
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