O que é invisível aos olhos

Ele era um romântico elevado à nona potência. Sua idéia de viver um grande amor incluiria jantares à luz de velas e dançar ao som de "Wonderful Tonight", de Eric Clapton. Já ela, não tinha grandes ilusões amorosas. Nem mesmo gostava de receber buquês (odiava flores assassinadas, embalsamadas num buquê). Música? Podia ser aquela mesmo que ela cantarolava nas manhãs de sábado, enquanto cozinhava. "Só ligue-ei, liguei pra te dizer que eu te amo-o, que os momentos que felizes nós passamos, se morrer irá morrer junto comigo-o". Ou seja, eles dois não combinavam em nada. Um dia, aproveitando que ela tinha ido ao mercado comprar ingredientes para o almoço, ele colocou suas roupas numa mala e partiu. Não sabia como dizer adeus. Mas precisa ir. Precisava seguir seu rumo, viver a sua história, encontrar um grande amor, viver seu grande sonho. E ele foi. E ela ficou.

Ela era realista. Sabia que isso poderia acontecer um dia, afinal, nada é para sempre. Sentia a falta dele mas, total, acostuma-se com a ausência, acostuma-se com a dor, acostuma-se com tudo. Ela sofreu, sim, mas tocou sua vida (estava com o orgulho ferido e não admitia correr atrás). Ele viveu as suas histórias, as suas paixões épicas. Em cada beijo, em cada abraço, de cada mulher que conheceu, ele procurou aquele "algo mais". Onde estava aquele grande romance, aquele amor tresloucado que ele tanto viu materializado nos filmes, e que ele tanto sonhou ouvindo as suas músicas? Sim,ele encontrou os grandes beijos, as noites memoráveis, os beijos na chuva e até mesmo dançou "Wonderful Tonight". Só que, engraçado, ele sentia falta das pequenas coisas. Dos "Detalhes Tão Pequenos de Nós Dois" daquelas músicas xaropes que ela cantava aos sábados, enquanto cozinhava. "Para mim. Ela cozinhava para mim", ele lembrou. E começou a lembrar também das suas roupas sempre bem passadas e perfumadas. Do bife preparado como ele gostava. Do jardim bem cuidado. Do vinho na geladeira. Da mão no ombro naquela vez em que ele perdeu o emprego. Das confissões, dos diálogos, dos medos, dos desejos. Num momento de luz, ele percebeu que o seu grande amor estivera diante dele o tempo todo. Só que esse amor aparecia em doses diárias e homeopáticas, nos momentos em que ele mais precisava que esse pequeno amor se manifestasse. E ele aparecia como que assim: invisível aos olhos (o essencial é invisível aos olhos...).

Foi até a casa dela, precisava revê-la, abraçá-la, beijá-la, precisava...que ela lhe perdoasse. Parou diante da porta de sua casa. Tocar ou não a campainha? Ele quase era capaz de ouvir a respiração dela do outro lado. Já tinha se passado algum tempo, será que alguém não estaria ocupando no coração dela o lugar que um dia havia sido seu? Dúvidas, dúvidas. Ele, que tão resoluto e repentinamente havia abandonado-a, agora estava ali, de volta a porta de casa dela. Bastava tocar a campainha e revê-la, encarar o que tivesse de encarar, dizer o que tivesse de ser dito. Ouvir o que tivesse de ser ouvido. E, claro, ele sabia que teria de responder aquela inevitável pergunta que ela faria: por que? Por um momento, ele hesitou. Não saberia o que responder...

Dentro da casa, deitada no sofá da sala, ela olhava para o nome e o número descrito na tela de seu celular: o dele. Ligar ou não, eis a questão. Bastava ligar e ouvir a sua voz, dizer o que tivesse de ser dito. Ouvir o que tivesse de ser ouvido. Mas para ela, tudo se resumiria a uma só pergunta: por que? E ambos estavam ali. Em um segundo, tudo poderia mudar ou tudo poderia retornar ao que era. Bastava um toque na campainha. Bastava um toque no celular.E foi nesse segundo de hesitação que ele resolveu ir embora e ela ligar para outra pessoa. A história real termina aqui. O que não foi e o que poderia ter sido só continuou nos sonhos de cada um...

Márcio Brasil
Enviado por Márcio Brasil em 12/07/2007
Reeditado em 12/07/2007
Código do texto: T562171
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