Anjinho
A moça de jaleco branco verificou meus sinais vitais, ajustou o fluxo do soro fisiológico e se retirou do quarto da mesma forma em que entrou: em silêncio. Parecia-me que ela não me tratava mais como uma paciente do velho asilo. Eu era um peso morto, uma quase defunta.
Fechei os olhos na esperança de conseguir dormir, no entanto acabei me perdendo em devaneios. Passei 30 anos da minha vida trancada neste lugar. Minha família me visitou até o sétimo. Não sei o que aconteceu com eles, afinal, nunca mais tive notícias. Triste fim este, não? Fui abandonada pelos meus próprios filhos.
Senti a ponta da minha cama afundando e abri os olhos de súbito. Um menino, em torno de seis anos, estava sentado balançando seus pézinhos que não encostavam no chão; seus olhinhos brilharam ao ver que eu o estava encarando.
- A vovó já está acordada? - Perguntou docemente.
- Quem é você, meu bem? Qual é o nome do seu papai? E da sua mamãe? - Enchi-me de esperanças. Um dos meus filhos veio para se despedir de mim e trouxe meu neto!
O menininho me olhou como se não tivesse entendido a pergunta. De repente, ficou de pé, andou até meu travesseiro e se sentou. Em seguida, começou a brincar com meus cabelos alvos.
- Vovó? Por que é que tem uma nuvem na sua cabeça? Eu tenho cabelos, ó. - Disse abaixando a cabecinha para que eu pudesse vê-la.
- Ora, é porque estou indo morar no céu.
O menino abriu a boca de tanta surpresa. A alegria era nítida no brilho dos seus olhos.
- Quer dizer então que a senhora vem morar comigo? - Perguntou por fim.
Naquele momento entendi o que se passava. O jovenzinho que conversava comigo não era apenas uma criança qualquer, era um anjo.