DIRCEU BRASILEIRO
DIRCEU BRASILEIRO
{Início
[8:00hs]
[Campainha]
- Ô Carlos, levanta aí e vai abrir o portão. Deve ser o pedreiro. Beth, já preparou o café? Parece que o Dirceu Brasileiro chegou.
- Está pronto meu bem... Será que ele termina hoje?
- Tem que terminar! Fica de cima dele viu.
- Bom dia Sr. Dirceu... Tudo bem com o senhor?
- Tudo bom Carlinhos. Seu pai ainda está aí?
- Tá sim... Ele quer conversar com o senhor antes de ir para o trabalho.
- Bom dia Dirceu... Tudo bom nê! Olha, preciso que termine está obra hoje ainda viu... Não me enrole.
- O meu senhor... Eu não sou de enrolar não... Tenho vinte e cinco anos de profissão, já trabalhei em várias casas nesta região, nos outros 25 estados brasileiros e no Distrito Federal. Além disso, eu ...
- Chega de blá blá blá e comece logo o trabalho.
- É.. Tô vendo que hoje o senhor está mau humorado.
- Chega de conversa! Acredito que tem muito serviço! E você não é pago para saber como estou, como sou, o que fiz ou deixei de fazer... É pago para trabalhar... Então chega de papo e termine o seu trabalho, combinado?
- Sim senhor. Mesmo assim, tenha um ótimo dia.
[Buzina de carro]
- Papai a sua carona chegou.
- Peça para esperar um pouco. Sou vou dar uma palavrinha com sua mãe.
- Beth, não deixe nada de valor à mostra. O Dirceu Brasileiro é um sujeito estranho. Não confio nele.
- O que é isto amor. Ele já prestou tantos serviços pra nós. É uma pessoa de boa índole.
- Você e seu excesso de confiança me irrita profundamente.
[Buzina de carro]
- Tenho certeza que está equivocado. O Dirceu é um cabra bacana.
- Ahhh!!! Estou atrasado. Até mais tarde.
- Vá com Deus.
[Ferramentas de construção]
[9:00hs]
- Aceita um cafezinho Dirceu?
- Se não for incomodo eu aceito sim senhora.
- Tem pães aqui na mesa. Tem queijo também. Fique à vontade.
- Obrigado Sra. Beth. Tu és muito gentil. Hospitaleira como o povo lá da minha terra natal.
- De nada.
- O Sr. Eliseu está nervoso hoje?
- De fato. Mas não se preocupe com isso. De vez em quando ele é assim. Mas é uma boa pessoa.
- Realmente ele parece ser uma pessoa agradável. Só um pouquinho impaciente.
- Dirceu, ele só quer que o senhor resolva o problema deste vazamento e termine as novas instalações.
[10:00hs]
- Carlinhos, vá terminar o dever de casa. Veja se sua irmanzinha já acordou. Daqui a pouco o almoço está pronto. Tenho que levá-la para a escolinha mais cedo.
- Já vou mamãe. Espere só um pouco.
- Agora!
[Choro]
- Mamãe ela já acordou. Quer que leve-a até você?
- Não precisa. Vou aí amamentá-la e depois de alguns minutos, darei um delicioso banho para refrescar. Tá quente hoje.
[Ferramentas de construção]
[11:00hs]
- Mamãe Já terminei o dever de casa. Posso brincar um pouco lá no terreiro.
- Só um pouco. Não esqueça que já está quase na hora de tomar banho e arrumar para o colégio.
- É só um pouco mamãe.
- Cuidado para não atrapalhar o serviço do Dirceu.
[Ferramentas de construção]
[12:00hs]
- O almoço está pronto. Venha logo Carlinhos. Venha almoçar conosco Dirceu.
- Não Sra. Beth. Muito obrigado e bom apetite.
- Não seja bobo. Venha almoçar e depois você termina.
- Falta pouco para concluir. Esqueceu que o homem está nervoso hoje? Se não terminar ele me mata.
- Volto a repetir. Não se preocupe com o Eliseu. Está nervoso estes dias. Mas não é com você. Coma pelo menos um pouco.
- Só um pouquinho eu aceito. Por precaução, preciso terminar logo.
[Talheres]
- Só isto Dirceu? Deixa de frescura! Alimente-se direito.
- A quantidade está boa. Que trem bão! Tá uma delícia! Ótimo! Muito obrigado e que Deus aumente cada dia mais.
[Talheres]
- Descanse um pouco Dirceu Brasileiro. Faça um pequeno intervalo.
- Não há necessidade Sra. Beth. Mais uma vez muito obrigado.
- Se quiser repetir a refeição está na mesa.
- Obrigado.
[Ferramentas de construção]
- Dirceu, estou indo levar as crianças na escola e depois vou até o supermercado. Vou comprar algumas coisas para a viagem de sexta-feira. A casa está aberta. Fique à vontade.
- Obrigado Sra. Beth.
[13:00hs]
- Vou tomar uma água. Estou com sede. Que mulher doida. Deixou todo este dinheiro aqui na mesa. Se fosse uma pessoa desonesta não pensaria duas vezes. Graças a Deus sou honesto. Só tenho a ganhar com isto. Deixa eu voltar aos trabalhos.
[14:00hs]
[Ferramentas de construção]
[Abertura do portão]
[15:00hs]
- Chegou na hora meu senhor. Acabei o trabalho.
- Que bom.
- Está do jeitinho que pediu. Confira por favor.
- Espere um pouco.
[Passos fortes]
- Está tudo certo. Venha cá Dirceu Brasileiro. Sente aí.
- Sim senhor. Algum problema?
- Não há problema algum. Gostei do seu trabalho. É um exímio profissional.
- Fico feliz.
- Olha, quero pedir desculpas. Pela manhã estava muito nervoso. Como sabe, vou viajar com minha família.
- Sei. Já havia dito.
- O mecânico não parava de enrolar com a manutenção do meu carro.
- Tudo bem patrão. Não tem problema. É assim mesmo. Tem muitos mecânicos que demoram para concluir seus trabalhos. Mas tomará que tenha resolvido o seu caso. Só acho que ficar nervoso não adianta.
- Eu sei. Por isto mesmo peço desculpas a você Dirceu.
- Não se preocupe. Estou acostumado com situações assim.
- Vou confessar uma coisa pra você... Fiquei nervoso com o mecânico que é meu amigo há anos. Já indiquei vários clientes para ele e ele para o meu escritório.
- Mas como eu disse, é normal Sr. Eliseu. Todos nós temos momentos de fúria.
- Pois aí que está a questão. Fiquei todo sem graça. Meu carro estava cheio de defeitos. Este foi o motivo que o Fernando demorou a entregar. Trocou diversas peças danificadas. E não aceitou pagamento. Disse que foi um presente.
- Viu só! Por isso ele demorou. Com todo respeito Sr. Eliseu, precisa ter mais paciência.
- Pois é... Estava de bronca com o Fernando e a esposa dele falou que o seu marido tinha muita consideração por mim. Dedicou várias horas de trabalho, inclusive a noite, para resolver o problema do meu carro. Quando soube disso, não sabia nem o que dizer.
- Não quero dar-lhe lição de moral, mas que isto sirva de exemplo para aprender a valorizar o trabalho dos outros.
- Não venha com este papo furado. Eu valorizo e reconheço.
- Calma Sr. Eliseu. Não precisa se irritar. O importante é que está tudo resolvido. Farás uma boa viagem.
- Obrigado. Afinal de contas, uma curiosidade... Por que o nome de Dirceu Brasileiro?
- Bom Sr. Eliseu, sou lá do interior de Minas Gerais, porém meus amigos e colegas costumam dizer que meu perfil representa boa parte da população brasileira.
- Percebi e concordo. Tem muitas qualidades admiráveis.
- Uai patrão, que coisa magnífica. Acertou em cheio. Procuro sempre fazer o que é certo. É claro que a gente, de vez em quando, dá umas escorregadas. É natural. Mas procuro ser sempre honesto, gentil e pelejador. Além disso, coloco o respeito acima de tudo.
- Gostei de você Dirceu. E quanto tempo está aqui no Rio Grande do Sul?
- Já tem uns três meses. O trabalho na minha cidade estava muito difícil. Um amigo caminhoneiro, bom de volante como ninguém, disse que tinha uma vaga de pedreiro em uma firma aqui. Então resolvi tentar a sorte.
- Era para trabalhar com carteira assinada?
- Sim. Porém só contrato de dois meses. Terminei e como tive outras oportunidades, resolvi estender minha estadia.
- E sua família?
- Nem me fala patrão. Só de pensar, veja só, estes dois pontos negros dentro do meu rosto tornam-se rios prestes a transbordar.
- É! Percebi.
- Não sou de fazer de dramas não, mas confesso que morro de saudades. Tenho uma bela família. Esposa e duas filhas maravilhosas. Uma de 10 e outra de 16 anos.
- Filhos são especiais. Nos inspiram a dão forças para prosseguirmos sem desanimar.
- Concordo com o senhor. Elas são a minha vida. Há como pude esquecer... ainda tem o meu galo Sebastião. Bicho bom de bico.
- Dirceu, por que não aproveita o carnaval e vai visitar sua família?
- Bem que eu gostaria Sr. Eliseu, mas sabe como as coisas estão difíceis. Preciso tentar ganhar mais uns trocados para poder voltar a minha cidade.
- Onde você está hospedado?
- Numa pensão. Lá é bom, porém nada melhor que minha humilde casinha.
- É verdade. Nada melhor que nosso lar. Aguarde só um segundo que vou pegar o dinheiro para pagar o seu serviço. A Beth deve ter deixado sobre a mesa.
[16:00hs]
- Tome aqui Dirceu Brasileiro.
- Mas Sr. Eliseu tá errado. Aqui tem dinheiro a mais. Não combinamos este valor todo. Era só R$600,00. Aqui tem... R$2.000,00.
- É isto mesmo caro amigo. Você merece. Aproveite o carnaval e visite a sua família.
- Mas senhor eu não posso...
- Ora Dirceu não seja tolo. Você é um bom sujeito. Gostei de você e do seu trabalho.
- Sr. Eliseu não sei como agradecer .
- Continue sendo esta pessoa boa, sincera e humilde que você é.
- Que Deus ajude o senhor.
- Ajude você também. Aproveite que hoje é quinta-feira, saia daqui e vá direto para a rodoviária comprar passagem. Vá curtir a sua família.
- Obrigado Sr. Eliseu. Estou indo agora.
[Abertura do portão]
- Senhor, respeitosos abraços na sua esposa e nos seus filhos.
- Tchau Dirceu Brasileiro. Abraço na sua família e no povo lá de Minas. Espero que brevemente você volte e traga sua esposa e filhas. E não esqueça de trazer o galo Sebastião. Quero ver se é mesmo bom de bico.
- Pode deixar patrão. Mais uma vez muito obrigado e até breve. Uma boa viagem para vocês.
- Agradecido pelo serviço, paciência e gentileza. Até breve.
Fim}