Matricial dominical
A igreja é essa mesma, matriz de Nossa Senhora do Pilar, construída no lugar da matriz antiga, que diziam ser uma lindeza e que as labaredas
consumiram em 1914. Deve ter sido erigida ao longo de bons anos, pois é sólida construção, nesse estilo gótico-romano, torre única, mas bem comum, replicada em muitas outras paróquias do meio oeste das Gerais, e quiçá, pra bem mais. Sua inauguração deve ter-se dado lá bem no início da década dos vinte, meu bom ouvinte.
Fui pegá-la, já morador na Velha Serrana, no finalzinho da década de cinquenta - antes dessas duas ou três reformas - em que se conseguiu
enfeiá-la com tantos enfeites e adereços, e até esse azul acinzentado no seu exterior, mal bolado. Mas se agradado tá o Senhor, vamos logo ao interior:
Parecia então mais espaço, menos lúgubre do que agora. Mais alegre, e mais não se alegue - ou será essa minha visão que ver moderno não consegue?Ali se juntava quase toda a cristandade da sociedade municipal numa jornada municipal: da missa das cinco, antes ainda do sol se mostrar,revestida de uma fascinação particular, tudo rezado em latim, e muito pouco vernacular.
A gente que ali acorria naquela quase madrugada vivia encantada; vinha a seguir a missa das sete, já dissipado aquele ar de mistério da das cinco, mas ainda cedinho para um domingo onde se busca dormir mais um tiquinho; a da nove era temática, a missa das crianças que, com sua fé nascente, ou suas bolinhas de gude reluzentes, enchia os bancos, invariavelmente sob o olhar escrutinador das professoras, vi(r)gilantes ajudantes dos celebrantes; e, por fim, vinha a missa das dez, já se anunciando lá fora aquele mormaço, e mais adentro, o jejum a queimar os estômagos e almas, não era a missa das dez a da placidez, como vês.
E, naturalmente, seriam mais folgados os seus frequentadores - numa contradição aparente com o sacrifício que o domingo impunha à gente. Porém, a inundação da luz, a presença de muitos cavaleiros que vinham das cercanias, a gente melhor vestida e escovada, davam um toque particular àquela celebração.
E era amplo e variado o arco dos tipos peculiares de fiéis, com seus lugares marcados, seus trajes suados, ou seus linhos citadinos, já
mais folgados.
Até o padre, nessa hora, o já alquebrado Monsenhor Vicente, dava solenidade adicional ao ritual, trepando ao púlpito para fazer a sua homilia e, volta e meia se concentrando nos ferozes ataques "...à
insânia dos homens que ficam fuçando as maravilhas do universo do Criador" - numa alusão à corrida espacial em que logo os russos, comunistas, andavam na dianteira - para lhes rogar praga assinalando
que ao invés de ir à lua,por quê não iam ao sol, onde iam ser queimados vivos para aprenderem que com as coisas do Senhor quem toca tem seu fim arrasador e abrasador. Palavra, da lavra do Senhor.
Estupefatos uns, indiferentes, ou sonolentos outros, a missa prosseguia rumo ao meio dia, com a fome a campear a galope, quase sem stop. Mas à hóstia cabia seu primacial lugar.