Mexendo na terra?
Papai na sua juventude, maturidade e até avançada idade, sempre se envolveu com os serviços domésticos. Mais por precisão do que por jeito. Nos tempos em que máquina de lavar roupa era coisa que se via quando muito num artigo do Reader's Digest, lá em casa essa função cumprida na base do m e m, ou seja, minerva, e "muque".
Isabel, entre toda a prole, era a principal "vítima" - e chegava às vezes a ficar com as pontas dos dedos sangrando e aí, papai dava a ela uma ajuda, ele que sempre teve braços fortes e disposição para a esfregação. Sentavam-se os dois num banquinho, com a bacia ao meio e tá que esfrega, naquele cruel refrega.
E nós outros tínhamos também nossas obrigações, que geralmente eram
mais leves, mas a ordem era ninguém ficar na sopa. Vitória cuidava da passação de roupas onde de vez em quando papai também lhe dava uma mão. Sobretudo nas camisas de colarinho. Mas a Vic era bem rápida, passava mais depressa do que a gente conseguia desvirar roupa.
E a ordem era pra gente ficar de bico calado. Não ficava bem falar da casa pra fora que papai lavava roupa. Numa dessas tardes calorosas tavam ele e a Bel na batalha da esfregação, quando bateu à porta um visitante. Não eram infrequentes essas visitas, geralmente gente vendendo coisas, viajantes, mascates, representantes etc. E era um sujeito até bem vestido, bem falante, o que foi atendido por nossos buliçosos olhos e infantil fala.
Enquanto o entretínhamos, papai deixou a roupa na bacia, correu ao quintal e quando veio para a sala, chegou com as mãos para trás. Saudou o visitante, despachou-o e quando esse lhe estendeu a mão
para a despedida, recebeu de papai a seguinte saída:
- Desculpe mas eu tava mexendo com terra no quintal e não posso lhe apertar a mão. E mostrou suas mãos cheias de terra barrenta, ainda que branquinhas branquinhas, alvinhas, alvinhas, por debaixo daquela
súbita terrinha...
O mascate, cujo siso, o riso lhe segurou, nunca mais voltou.