Uma história de amor

Papai engraxava os sapatos sob a coberta da cisterna numa tarde de sol e junto dele, pelo rádio que emitia lá da cozinha, ouvíamos o futebol. Era campeonato carioca, narrado na voz límpida e linda daqueles locutores que, com efeito e jeito, reinventavam, e graça davam ao esporte bretão. Minha tarefa, de iniciante, ainda se resumia a tirar a poeira dos pisantes.

Era um Vasco e Fluminense, cheio de gols, que incendiava minha imaginação. Enquanto de tinta e graxa lambuzava nossos sapatos para a missa dominical, e escovava com toque magistral, papai ia me explicando os lances do jogo, e demonstrava intimidade com as formações dos times contendores.

Ele era Vasco, sempre fora Vasco e seu time havia sido bem exitoso nos anos mais recentes, tendo empalmado o título nos campeonatos estaduais de 50, 52 e 56. Já não me lembra a metade dos nomes que declinou de seu esquadrão vencedor, senão de Laerte, Sabará e Pinga.

Era a equipe cruzmatina, duma alvura que ainda alucina.

Mas naquela calorosa, e agora saudosa, tarde de 57, quem ganhou o jogo foi o adversário de camisa verde, grená e branca: o Fluminense, por um placar dilatado, de 5 a 3, e que seu fã, de cara, logo me fez.

Tal era minha empolgação com a nova descoberta, vencedora na certa, que nem me preocupei em saber se papai ficara triste com o resultado tão desfavorável. A euforia me cativou, dominou, e por quantas peripécias não me levou: Castilho, Jair Marinho, Pinheiro, Altair e Clóvis...Estava ali o caminho de meus padecimentos diante do rádio.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 18/08/2015
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