Descobertas

Um senhor por volta de 50 anos entra no ônibus, com algumas sacolas. Augusto não hesita em levantar e ceder o lugar:

- Aqui, senhor – e acena – pode sentar aqui!

- Ah, que isso, não precisa, logo eu desço – responde simpaticamente o senhor.

- Eu também, que isso, pode sentar.

O senhor se senta e agradece.

- Hoje em dia é difícil darem lugar pra gente. Ainda mais eu, que só tenho cabelo branco e não aparento ter mais de 60. Por que é com 60 que pode subir por trás né?

- É sim, acima de 60 né?

- É. Esses bancos reservados aí, não são pra mim não. Só daqui um tempo.

- O senhor tá jovem ainda, que isso.

- Senhor nada, pode chamar de você...

- Haha, se insiste. Capaz que o senh... você tenha a idade do meu pai. Por volta dos 45?

- Olha, se eu não me perdi nas contas, e nas rugas, completo isso aí fim desse ano. E você, filho, tá com quanto? Filho... parece velho falando né? Preciso mudar isso. Mas certeza que tem nem metade da minha idade.

- Faço 22 mês que vem.

- Ah, que bacana. Parabéns já, então! Tanta vida pra viver ainda... ai que saudade dos meu 20! Se bem que com meus 20 tava quase sendo pai. Mas aproveitei até aí.

- Ainda dá pra aproveitar né?

Pi. Abre-fecha.

Augusto sempre foi alguém comunicativo. Adorava falar; principalmente com estranhos no ônibus.

- Cê mora por aqui?

- Não. Não neste bairro, mas na cidade sim. Tô vindo visitar meu namorado.

- Namorado, é? – e levanta as sobrancelhas – Entendi. Essa juventude é diferente. É homem falando que tem namorado. Menina falando que tem namorada e namorado. É um amor livre estilo daquela época dos hippies, sabe? E não me olhe com essa cara... eu não vivi aquelas épocas. Mas por mim, tá tudo bem, cada um na sua né?

- Aham, cada um cuidando da sua vida e fica tudo bem.

- Isso é. Porque a gente vê cada coisa na TV esses dias... que eu não tenho mais muito o que fazer além de ficar sentado em frente à TV.

- Magina, o senhor é novo ainda, nem aposentado deve ser.

- Você. Para com esse senhor aí. Mas aposentei já sim. Invalidez. Peguei o dedo na indústria que eu trabalhava – e mostrou o indicador, cotoco. – Daí fui aposentado. E pagaram mais uns danos lá, aquelas coisas de seguro não sei bem. Sei que depositaram. E me aposentaram, daí fico em casa o dia todo.

- Ah, mas a cidade tem bastante coisa pra fazer. Lá no SESC mesmo, todo dia pela manhã tem aula de... alguma coisa, mas sei que é pros mais velhos. Se bem que o público é mais velho. Minha avó costumava frequentar.

- Ih, costumava, por que, morreu?

- Não! Mudou daqui, foi pra uma cidade mais pro interior. Disse que não aguentava mais essa cidade, que tem muito movimento.

- Ai, às vezes eu penso assim também, acredita? Tem que pegar ônibus pra ir no banco! Tem que pegar ônibus pra ir no centro! Tem que pegar ônibus pra ir pra todo lugar!

- Ah, a cidade é grande mesmo... mas acho que bem planejada até. Eu só uso ônibus quando vou pra algum lugar que não tem onde guardar a bicicleta. Ou quando saio pra balada. Falando nisso, o senhvocê deveria sair, aproveitar. Sempre tem uma tias que ficam lá. Ah, desculpa, ó eu aqui falando as coisas e nem sei se o senhor é casado.

Pi. Abre-fecha.

Augusto tem a vaga ideia de conhecer esse senhor de algum lugar.

- Eu fui casado. Mas num sou mais. Divórcio. Mas a vida é assim mesmo... ficou só um frutinho. Que mora lá comigo. Essas sacolas aqui mesmo são pra ele, vai um amigo dele hoje lá em casa, vão jogar vídeo game acho, ou mexer no computador. Não sei, não vejo graça nessas coisas. Mas daí ele pediu pra comprar umas coisas no mercado pra fazer de janta.

- Ah, entendi.

- Ele faz faculdade aqui na cidade. Não lembro qual das engenharias aí. Eu por mim, queria que ele fizesse outra coisa. Mas antes estudar do que num fazer nada né. Daí deixei fazer o que queria mesmo. Se bem que não posso mandar muito né. Passou dos 18 já arca com as coisas que quer fazer. Só tem que obedecer porque tá debaixo do meu teto né? Nossa... to falando igual a Sônia, minha ex-mulher. Ela que falava essas coisas. Ele morava com ela até os 18. Mas daí começou a faculdade e veio pra minha casa. Sônia foi pra Minas Gerais. Diz que tinha encontrado o amor da vida dela. Tomara né.

- Nossa, então faz tempo que vocês se separaram?

- Ele tinha 15. Não sei pensar ao certo quando foi, só lembro da idade dele mesmo. Mas não vai pensando que foi traição não... num faço essas coisas. Nem ela fazia. Era problema de convívio mesmo. A gente se conheceu na faculdade. Só num era o mesmo curso. Mas a gente se gostava, conheceu por conta de uns amigos. Mas éramos como água e óleo, sabe. Sempre falavam que a gente não ia dar certo por isso. Num achei que eles estavam certo, mas num é que tavam? Mas tá bom.

Pi. Abre-fecha.

O próximo era o ponto de Augusto.

- Você sabe me dizer se o ponto do MS Advocacia é o próximo?

- É sim. Ainda bem que cê falou, é meu ponto! Fico aqui falando sem parar e quase perco minha descida.

- Ah, eu também vou descer aqui.

- Então pode puxar a cordinha já, que tá chegando. Faz esse favor. Essas sacolas atrapalham tudo.

Pi.

- Pode deixar.

Abre-fecha.

Descem, e Augusto ainda não está certo de pra onde seguir.

- A rua Armando de Novaes Nunes fica pra onde?

- Pode vir comigo, é logo ali – e a apontou mais pra frente, a travessa com a rua da advocacia – eu moro nela, então sei chegar. Aquela rua antigamente era tão movimentada, era quase uma avenida. Hoje em dia, mal tem os carros da rua mesmo.

- Deve ter sido legal ver a cidade virando o que é hoje...

- Não sou tão velho né! Não era rua de terra, essas coisas. Mas mudou bastante mesmo. Num tinha tanta luz assim. Mas acho que tem muito mais vida agora. Até legal de ver. Eu não nasci aqui, vim pra cá só pra fazer faculdade. Então peguei a cidade já em progresso. A violência aumentou, vou nem falar disso. Mas cê acredita que nunca fui assaltado? Se bem que isso num é coisa pra ficar orgulhoso né. Vergonha tem que ter quem rouba, magina.

- Também não fui, ainda bem. Ah, quer que eu leve as sacolas? Esqueci, devem estar pesadas.

- Não, que isso, tamo chegando já, só num sei pra que número cê precisa ir. A minha casa é essa aqui, na esquina já – e mostrou um sobrado, amarelo, com uma árvore na frente.

- Eu preciso ir pro número 65.

- Qual?

E apertou a campainha, esperando o filho vir abrir.

- Número 65.

O senhor fez uma cara de dúvida e disse:

- Mas eu moro aqui. E aqui é 65.

A porta se abriu. E de lá veio Marcos, e conforme caminhava, se sentia mais intrigado quanto ao que via no portão de casa.

Kaíque Campos
Enviado por Kaíque Campos em 28/07/2015
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