Nada de pretinha...

Era o tempo em que minha rua era apenas o "beco sem-saída" e que os terrenos vagos suplantavam, em muito, os construídos. A meio caminho, no entanto, ficava tão-somente o lote da Paula, bem defronte à nossa casa, do chamado lado debaixo da rua, que apresentava o alicerce do que se projetava como uma casa de dois quartos, sala e cozinha.

Mas além daquele ciclope enterrado, esperando pela ereção, de paredes, para lhe aplacar as sedes, que mais, senão capim e matagal sem fim? E nem cercado era o dito lote, numa evidenciação de que andavam baixos os recursos para a construção, ao contrário do

capinzal, que só fazia subir, ou às cabras nutrir.

Entretanto, mais além da fundação, acabada, despontava uma pequenina construção: feito casinha de boneca, uma fossa, já terminada - e inaugurada - do teto de telhas francesas, à compostagem, cujo odor renitente era a maior das certezas.

E por quê terminar primeiro a fossa, ora minha nossa - alguém há que responder possa? E que de bosta entenda, fina ou grossa? Afinal, com tanta moita a rodeá-la, para que essa despesa tão afoita? Essa dúvida nos sacudia, a meninada que por lá transitava quase todo dia, formando uma trilha no capinzal, serpenteante, que levava a um pé de jaboticaba já bem na divisa do lote.

As frutinhas eram raras e mirradas, mas mais era o trepar, o conversar, que animava a garotada, e chupar, por vezes, nada de pretinha, só verdinha.

A dona do lote, e da pre-construção, um dia, finalmente, se materializou: franzina, dos olhos azuis, tecelã, gasta para os seus trinta e poucos, balzaquianos anos, a tantos panos, Paula só queria naquele dia passar o lote adiante: estava noiva, ia se casar,e pro enxoval,dos cobres iria precisar.

Sem fazer troça, ou mossa, ao passar frente à fossa, cobriu o nariz. Tava era tão feliz.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 02/07/2015
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