As espinhas do Haroldo
O Haroldo, com os seus dezesseis anos, e mais espinhas do que merecia um mancebo de sua idade, era o mais jovem dos "republicanos" do Nélson, por sinal, seu tio, que parecia tê-lo acolhido com aquele desentusiasmo que caracteriza o cumprimento do dever familiar. A manutenção do garoto era, com efeito - e com que jeito - um leito que se deixava de alugar à rapaziada seleta que vinha iniciar a vida profissional na cidade do Divino.
Com dezessete, segundo mais jovem em linha, e sem a familiar linhagem, eu é que vinha ali me hospedar para o curso clássico terminar, com um ano a faltar. Havia perdido a comodidade e a casta idade do seminário.
Ia às aulas pela matina e, tragado o almoço sem alvoroço, tinha a tarde toda pela frente. Na falta do ânimo maior para meter a cara nos estudos, sobrava-me a companhia do Haroldo - que também havia investido sua manhã num aprendizado de mecânica nas instalações da rede ferroviária que por aqueles tempos era ainda bem ativa na cidade. Se algum entusiasmo havia na sua fala, era com um mestre Mercemiro, de excepcional didática. Eu me limitava a ouvi-lo, mas nunca ousei expor meu encantamento com os Lusíadas, do professor Adércio, ou mais ainda com as favvolose gambie della professoressa Mirian
Pirfo…
E como uma luva, ou um par delas, nos caía a cumplicidade para enfrentar as horas da modorra, sem fazer nenhuma orra. Uma volta pela cidade, sem muito longe chegar, mas só pelo zanzar e o preferido lugar era a rodoviária, que ficava a umas três quadras da pensão.
Haroldo se queixava da sorte, não contudo pela acne, que chega a ser excessiva, mas pela preterição, mais nociva: o irmão mais velho, Agnaldo, esguio, bonitão e de pele angelical roubara-lhe todos os
sonhos: era goleiro, estimado pelo pai e até pelo tio e vivia ainda no povoado onde nasceram, sem ter que enfrentar as agruras da vida citadina.
Sem irmão mais velho, nem espinhas, eu não tinha queixas. Nem deixas, e não mais que sonhado com gueixas. Só queria matar o tempo.