O legado de Dito
A especialidade do carpinteiro Benedito Ferreira Cezar, de rudimentar escolaridade, e melhor dito, o Dito, eram os carros de bois, de boa madeira, que com maestria, em fazer se comprazia.Dava gosto ver o ajuste de uma roda, lisinha, meio chanfrada do centro para a periferia, composta de barrotes transversais, capeada pelo aro de metal que, com seus muitos cravos, arrematava a solidez do conjunto.
Trabalhos no madeirame doméstico o bom Dito também os fazia, mas logo se via que não eram o seu vrai métier. Davam para ganhar a vida, e cuidar da sempre crescente prole que, sem esgotar sua cota, viria a passar de uma dúzia.
Um carro de bois, disse-me uma vez, orgulhoso, rendia-lhe quatro contos. Numa época em que se comprava um fusquinha usado por cerca de oito, não parecia mau negócio. E Dito até tinha um aprendiz-sócio, o Alcino, que se esmerava em lavrar os troncos que iam dar a forma abaulada, semelhante ao ombro de uma garrafa, como sói ao piso dos carros de boi. Mas Alcino, conquanto destro na formatação das laterais, o que fazia com um afiado machado, não ousava as proezas maiores do patrão. E dos quatro contos, teria assim, só modesta fração.
Dito, numa determinada fase da vida, interessou-se pela incorporação imobiliária. Comprou ao cunhado Joaquim um ocioso pequeno armazém e o transformou numa residência, para ganho de aluguel, ou venda.
Orgulhoso de sua obra, pintou, de punho próprio suas iniciais quase na junção frontal da cumeeira. O que era para ser BFC, saiu contudo BFS, e com o S ainda invertido - tal como aquele R que aparece no rótulo da vodka russa Orloff.
E ficou o escrito pelo inauDito.