KYRIE ELEISON

Todos os dias, no escuro da madrugada, os frades se reuniam em oração até o nascer do sol.

Mal dava tempo de vestir o hábito e seguir para a capela do mosteiro, todo feito de pedras rústicas e seixos rolados, rejuntados com barro misturado ao esterco de gado e palha picada, para dar sustentação às enormes paredes.

Mesmo em pleno verão, os sombrios corredores eram frios e os irmãos, em fila, mais pareciam espectros de filmes de terror, com seus capuchos sobre as cabeças e pés descalços.

As vozes fortes dos irmãos, entoando os cânticos e as palavras da oração das “matinas” se espalhavam por todo mosteiro, ganhavam os campos e serviam de despertador para os habitantes da pequena aldeia ao pé do monte onde o mosteiro fora instalado em tempos tão distantes que ninguém saberia precisar a idade que ele tinha.

Basílio desde a mais tenra idade se propôs a entrar para aquele convento pelo qual sentia atração quase que irresistível.

Muitas vezes o irmão porteiro, ao abrir as portas da capela para a realização do ofício, encontrou Basílio ainda dormindo, nos degraus da pequena escadaria que dava acesso à porta principal.

Quando atingiu a idade necessária para ser aceito como postulante, Basílio foi recebido pelo superior que depois de longa conversa, achou que sim, ele possuía os requisitos básicos para ser aceito na comunidade eclesiástica e para dedicar a vida ao serviço religioso.

A família de Basílio tinha poucos recursos para o dote, mas por se tratar de franciscanos, onde um dos votos fundamentais é o de pobreza, isso não foi impedimento para que ele fosse aceito.

Iniciadas as aulas de instrução, Basílio demonstrou muito interesse e em pouco tempo já se tornara noviço.

Mas Basílio tinha um grave defeito de comportamento, era guloso.

Gostava muito de comer, comia de tudo, muito e estava querendo sempre mais.

Quando os irmãos estavam praticando a abstinência, Basílio se encarregava de comer a parte que cabia aos que estavam jejuando, até que um dia, o seu instrutor, frei Anselmo, lhe aconselhou:

- Meu filho, você precisa dominar sua gula...

Você sabe que a gula é um dos pecados capitais e que nós, como sacerdotes temos a obrigação moral para com nosso senhor de lutarmos contra o pecado que nos envenena a alma, temos que pedir perdão pelas nossas faltas.

Sempre que você se sentir tentado ao pecado da gula, procure se controlar e peça perdão ao nosso senhor...

Basílio ficou com as palavras do frade mestre reverberando na cabeça, mas a tentação era demasiada e ele gostava de comer tudo, a única coisa que ele comia pouco, mas comia, era a salada de vegetais folhosos, verdes, crus, com aquele gostinho de nada e que para ser degustada precisava de vinagre, sal e azeite.

Ah! O azeite, esse sim, verdinho, cheiroso, saboroso. Quando misturado ao pão era algo inebriante... como ele podia abrir mão daquele dom maravilhoso que deus colocava em sua frente todos os dias, não tinha como despreza-lo, seria uma afronta ao criador.

E a partir desse dia, em todas as refeições, quando Basílio estava despejando o fio de azeite em seu prato, se lembrava das palavras do frade mestre e pedia perdão a deus com toda contrição de sua alma, e era tal a sua sinceridade que o fazia cantando em gregoriano:

- Ky- i- ri- e,e,e,e,e,e,e,e,e,e,e,e,e,e,e,ele,e,i,son...

Quando terminava o cântico passava o dedo para recolher a última gota do gargalo e entregava a garrafa ao irmão sentado ao seu lado direito.

GLOSSÁRIO

Kyrie eleison = Senhor tende piedade, em grego

Matinas = primeira parte do oficio rezada antes do nascer do sol.

(Matinas, Laudes, Prima, Terça, Sexta, Noa, Vésperas e Completas são os nomes dos ofícios que dão o ritmo fundamental ao dia.)

Pecados capitais = gula, avareza, luxúria, ira, inveja, preguiça, orgulho/vaidade.

Votos franciscanos = Obediência, pobreza e castidade