Dona Anjinha e sua história...
Dona Anjinha e sua história...
Dorothy Carvalho
Dona Anjinha ficara sem família após o falecimento da mãe. Sendo filha única e fruto de uma gravidez tardia, sem parentes próximos e já em avançada idade. Dona Anjinha nunca se casara, apesar dos anseios da mocidade. Mulher culta, porém de parcos atributos físicos. Conhecera os amores da carne na juventude, mas com homens que não cabiam no seu ideal de par. E assim se passaram os anos. Numa vida sem sustos. E nada é mais triste que uma vida sem sustos, mas, dona Anjinha passou a vida sem sustos.
Das missas tinha ojeriza, das conversas comezinhas também. Gostava era de um bom livro, boa música e uma boa conversa. O triste é que o velho é descartado do convívio social como um ser não pensante, e não opinativo. Velho é pra ser gagá, se não for, fica fora dos moldes, padrões e costumes. Dona Anjinha não coube em nada, e nada, é solidão.
Vivia com os gatos: Pessoa, e Drummond,e os cães Soneto, e Poema. Com a mísera aposentadoria tentava manter uma vida digna com sua prole,ops, seus animais. Exagerava nos gastos pois não gostava de cozinhar, buscava no restaurante. Também gostava de uma cervejinha, coisas de dona Anjinha. Enfim, dona Anjinha amoldou-se num tipo próprio de velhice. Mas a vida cobra seus louros. Há coisa de quatro anos, dona Anjinha teve a casa assaltada e é melhor não adentrar searas doridas.
A casa foi vendida, os animais doados, e, dona Anjinha foi para um Abrigo de e para Velhos. Uma capacidade soberba de adaptação! Eu a visitava e, apesar da adaptação, vi sulcos profundos em suas faces, e o seu andar estava mais, bem mais encurvado.
Passado um certo tempo, encontro-a bonita, radiante, corada, faceira. Mais parecia uma menina. Quis saber o milagre. O milagre Chamava-se Basílio, tinha ido lá com uma amiga visitar uma parente dessa amiga, e se encantara em ver aquela senhorinha lendo no jardim. Tornaram-se amigos inseparáveis, pois Basílio, era poeta, adorava ler e presentear nossa amiga com livros os quais ela já havia lido, mas, para ser gentil, agradecia com um sorriso de orelha a orelha.
Basílio era um rapaz jovem, bonito e que vivia longe da família, sendo que dona anjinha o tomou para filho, e ele a tomou para mãe. Era lindo ver os dois envolvidos com os livros, discutindo poesias, política, sim pois ela era uma anarquista Graças a Deus, (Desculpas celestiais Zélia Gattai , mas precisei.).
Não demorou muito tempo para que Basílio convidasse a agora mãe Anjinha para morar com ele, visto que, lugar de mãe, é junto com o filho.
Dona Anjinha quase não acreditou no convite. Teve que enxugar um rio de lágrimas e abraçar muitas vezes aquele rapaz bonito e cheiroso. O seu filho acima do bem e do mal. O querido, o amado, o idolatrado, o sublime.
E lá se foram os dois, duas crianças risonhas e felizes. Basílio adivinhava as vontades de dona Anjinha, dona Anjinha, tentava não ter vontades para não onerar Basílio. Viviam de afagos, carinhos, um agradando ao outro.
O tempo passa, como passam rápidas as estações já dizia meu pai.
No aniversário de oitenta e um anos de dona Anjinha, Basílio chegou e disse a ela friamente, PARABÉNS! Ela pensou ser alguma brincadeira, com certeza, alguma surpresa grande demais estava sedo reservada. Mas o dia amanheceu. Amanheceu o dia sem bom dia. A senhora fede tia, não toma banho? Ela, logo ela tão asseada com o murcho corpo. Envergonhou-se.
Doutra feita, ele chegou, ela de alegria, se esqueceu da dor e o abraçou. Para seu espanto e horror, ele a empurrou. Até o dia em que ele se disse cansado de conviver com uma velha que sequer, sua mãe era. Que ela se fosse, ele a levaria novamente ao Abrigo dos Velhos. Ela aquiesceu com a cabeça, e o pacto se desmoronou. Da última vez que a vi, as palavras eram débeis e descoordenadas. Ela estava bem menor. Depois vi um bom bocado de pássaros,e a corujinha minha amiguinha mas já era tarde demais....Rezei duas aves e vim me embora a pé...FIM
Da série que estou começando...As Coisas Que Eu Vi