O serrote de Cintina
Vovô foi seleiro, mas além de sovelas, vazador e compasso, deixou algumas ferramentas que não tinham a ver com seu ofício, e, reunidas, todas elas foram zelosamente guardadas pelas filhas que o sobreviveram.
Ficavam elas reunidas numa lata de querosene vazia e, se passassem do tamanho, ganhavam outro repouso na melhor proximidade. E assim foi com o serrote, de lâmina preta, curiosamente empenada, mas que se prestava às modestas e ocasionais socorrências, tanto da casa de vovó, quanto da nossa, e das quais, não me lembro de nenhuma.
Isolado de seus companheiros de lata, o serrote ganhou foros de relevância e até ganhou a distinção de ser o serrote de tia Vicentina, a Cintina, primogênita de uma irmandade que chegava a sete sobreviventes, quase todos solteirões. A história de tia Cintina com aquele ferramental, na falta de filhos, que não chegara a ter, beirava as raias do ciúme.
Das ocasionais feitas que lá pegávamos uma ferramenta, vinha ela com o rosário de recomendações e cuidados. Talvez ali residisse a razão do conjunto haver-se mantido intato ao longo de tantos anos.
Mas meus onze ou doze anos não carregavam essa grave preocupação. Eu, que vagamente aspirava à marcenaria, não resistia à avulsa experimentação.
E peguei o serrote, com a promessa íntima e ínfima de não abusar e devolvê-lo presto. Afinal, nossas casas separavam-se apenas por uma cerca de tela. Só deixara de dar conhecimento a ti Cintina.
E ela não levou tempo em descobrir-me, já do lado seguro de minha cerca. E seu brado foi lancinante. Chamou papai, que devia estar cuidando dalguma costura, ou de manter o fogo aceso para a preparação da janta, e a ele apelou, veemente:
Luís, Luís, faz o Paulo devolver o meu serrote, ele tá mexendo com ele e vai deixar ele cheio de dente...
Papai gargalhou para acusadora e réu - com todos os dentes.
Só que não fizera